Categories: crítica social

Aceito a responsabilidade de mudar o que aí está. A culpa, não, obrigado.

Olha, só. Eu cansei de ler aqui e ali que a CULPA pela situação calamitosa da corrupção escancarada na política brasileira é NOSSA. Cansei. Porque NÃO é justo. A pouquíssima ou nenhuma vergonha na cara dos políticos de todos os partidos brasileiros – sim, porque há canalhas, escroques, vagabundos dissimulados em todas as legendas – é deles. Não é nossa, não. Não é mesmo!

O raciocínio de, por extensão, culpar os eleitores que votaram nesse ou naquele candidato é nada senão uma falsa simetria. O eleitor votou nesse ou naquele aspirante a um cargo público porque cumpriu seu direito e seu dever de cidadão. Foi lá e votou. Acreditando ou não nas propostas de alguém, votou. Depois, o eleito entrou em qualquer esquema, descumpriu o que prometera, desviou dinheiro público, mentiu. E a culpa é dele, o político ladrão. Não do cara que nele votou. Eu me recuso a acreditar que alguém vote num sujeito desejando que ele incendeie o circo, tome-lhe o emprego, a saúde, destrua sua família, leve embora a sua esperança. Não dá. Guardadas todas as proporções, culpar o eleitor pelos crimes de seus eleitos é mais ou menos como alegar que a responsável por um estupro é a própria vítima. Um absurdo!

A culpa do que aí está NÃO É NOSSA! Nossa é a responsabilidade por mudar tudo isso. Indo às ruas? Sim. Fazendo depois a lição de casa? Principalmente. Mobilização popular se faz com mudança de comportamento! Joguemos fora essa culpa baratíssima que nos tentam imputar e assumamos a nossa mais cara responsabilidade. Não há solução mágica. A corrupção, essa espécie de encosto, de entidade do mal que se apodera dos políticos no poder e dos cidadãos comuns não vai fugir correndo, apavorada, quando o povo nas ruas gritar BÚ!

Houvesse um Flautista de Hamelin, seria mais simples. Ele sopraria sua flauta mágica e todo tipo de vigarista o seguiria hipnotizado, multidões de canalhas o acompanhariam encantados, descendo a pé a serra do mar, até se lançarem ao oceano para nunca mais voltar. E o mundo se veria livre da roubalheira. Ahh… como seria mais fácil. Mas não é assim. Nunca vai ser.

Corrupção é bicho tinhoso. Vive e cresce dentro de cada um que não tem valores suficientemente fortes para recusar qualquer favorecimento ilícito. Seja o político que desvia dinheiro público para o seu bolso, seja o motorista com a carteira vencida que aceitar pagar o guarda para não ter o carro apreendido, o estudante que assina a lista de presença para os colegas ausentes, o casal amigo que fura a fila no cinema e essas aberrações que a gente se acostumou a achar normais.

Sem uma mudança de comportamento geral e irrestrita que comece e se fortaleça em cada um de nós, não vai ter jeito. Podemos ir todos para a rua, quantas vezes quisermos. Exceto uma encenação aqui e ali, nada vai acontecer. Tudo vai seguir na mesma! Trocam-se os atores, continua o espetáculo de mal gosto.

Você e eu não temos culpa do rebosteio que aí está, mas temos a responsabilidade de limpá-lo, sim. Fazer o quê? Só nos resta trabalhar juntos! Pensar em casa com os nossos, nas empresas, escolas, igrejas, clubes, confrarias e em qualquer outro ponto de encontro. Reunir nossas dúvidas em grupos organizados de estudo. Dividir livros, teses, artigos e ensaios com visões diversas sobre os nossos problemas, nossas aflições, ampliar nossos pontos de vista, compreender de fato a nossa complexa estrutura política. Tomar consciência do quanto somos enganados há tanto tempo.

Você e eu não temos culpa se o meu ou o seu candidato nos enganou. Mas é nossa a responsabilidade de romper com velhas choramingações, corrigir antigos defeitos de cada um, trocar velhas respostas prontas por novas perguntas e reaprender a pensar em grupo.

O que nos falta é “consciência global”, uma base forte de seres críticos, informados, de bom caráter, movidos por boas intenções, dispostos a fazer história.

Faltam novas formas de agremiação política, não novos partidos com nomes bonitos como Solidariedade, povoados de velhos pensamentos tacanhos, novas roupas para velhos acomodados, mas novos grupos dispostos a bancar atitudes transformadoras. Faltam milhões de pessoas dispostas a aderir imediatamente a esse novo jeito de cuidar do que é nosso. A partir dessa grande e poderosa confraria sob a forma de um partido político, teremos, um por um, milhões de votos, ocuparemos cargos importantes. E aí vai ser só questão de tempo. A cada nova eleição, profundas limpezas nas urnas vão extirpar do poder velhas parasitas, arrancando gordos carrapatos cinzentos das veias de nossas vacas magras, livrando suas tetas tristes dos canalhas desmaiados de tanto sugar-lhe o leite.

Aos poucos, os novos políticos serão tão somente boas e novas pessoas repletas de valores e vontade real de ajudar, e eles se multiplicarão, fortes e prontos a realizar o imponderável. Com trabalho e sorte, em meia dúzia de décadas mudaremos a Constituição, corrigiremos distorções, extinguiremos os velhos cargos de confiança, reduziremos o número de vereadores, deputados, senadores e, por fim, aprovaremos em votações incomuns na Câmara e no Senado a extinção de seus salários. Afinal, política não tem de ser profissão. Políticos devem ser doadores. Gente com outras atividades remuneradas que só entraram na vida pública para servir o povo e tornar o seu país um lugar melhor.

É claro que tudo isso vai levar muito tempo. É certo que os primeiros representantes dessa revolução não viverão para ver o resultado de sua luta. Mas os seus filhos e os filhos dos filhos dos seus filhos, sim. A vida há de melhorar e as nossas conquistas vão inspirar gerações e gerações em todo o mundo. Para sempre.

A humanidade enfim há de se dar conta de que romper com velhos sistemas políticos continua possível, embora dê tanto trabalho. E mais nenhum país no mundo irá gastar mais do que arrecada. Vai usar todo o dinheiro que perdia com antigas sanguessugas para reconstruir a saúde, a educação, a segurança, a cultura, as artes, reduzir as cargas tributárias, valorizar a moeda, incentivar as exportações e essas coisas importantes.

O povo então terá reaprendido a viver e a trabalhar com amor, empenho e tranquilidade. Sem a corda no pescoço.

E aí, você sabe, todos viveremos melhor do que hoje.

É preciso, mais do que nunca, o atrevimento do sonho! Porque a culpa do que aí está não é sua e não é minha. Mas a responsabilidade pelo que virá, sim. Essa sempre foi nossa.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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