Por relações com mais amor e menos utilidade. Não sejamos objeto, não sejamos instrumento, não sejamos meio para ninguém. Dos afetos honestos, cada encontro é um fim em si mesmo. É no esvaziamento dos excessos acumulados pelo medo da solidão, que nos damos conta de que, quem realmente nos tem apreço, é justamente quem menos precisa de nós.
As relações humanas nunca foram puras. Não entremos naquela de dizer de antigamente. Talvez antes houvesse apenas uma convenção social que legitimasse certas obrigações entre as pessoas. Em tempos onde quase tudo pode, vale o julgamento de cada um para determinar o que vai e o que fica.
Parar para pensar no que e em quem queremos em nossa vida pode ser algo muito doloroso. A segurança e o conhecimento de si são imprescindíveis. Aceitar o risco do erro. Porque não somos justos. Não temos como ser justos. Criamos ideais como justiça e liberdade que transcendem em demasia nossas limitações. Mas dentro do possível, ficam algumas observações, dessas que até podem enganar por algum tempo, mas nunca passam batidas.
A insustentável conveniência do ser nos ensina, desde sempre, que estar só é algo ruim. Do sentimento infantil de dependência, acabamos carregando a carência para pretensa maturidade, esta incapacidade de estar só, mesmo que estar acompanhado signifique estar na pior das companhias. E como basicamente nenhuma relação tende a ser equilibrada por sua natureza, pela natureza desigual e diversificada que nos é intrínseca, acaba-se por estar sempre em uma posição ou de domínio ou de submissão, cada qual com sua fragilidade e sua dominação, ambos aglutinados na fraqueza de temer agir diante da questão: vale a pena?
Sejam nas relações amorosas, familiares ou de amizade, há situações que revelam explicitamente o papel que exercemos na vida das pessoas. Há aqueles que só nos procuram quando estão cheios de problemas, porque temos bons ouvidos; os que nos procuram quando precisam encobertar uma furada; ou os que estejam afim apenas de dar uma boa trepada (e não encontraram ninguém diferente para fazê-lo, desses tipos que te ligam de madrugada); há ainda os que estão sempre a postos quando você está na pior, talvez para ter ao menos neste momento a sensação de que a vida deles não é tão ruim assim; ou aqueles que te rastreiam quando está na “boa”, mas aqui não no sentido de estar bem consigo mesmo, mas de estar com grana, com popularidade e outras coisas que interessam ao que é convencionalmente valorizado. Dos mais rasgados, há os que buscam por elogios, alugando-te como a um palco para encenar suas façanhas.
Quantos despretensiosos te procuram apenas para dar um “oi”, simplesmente porque gostam de você? Estes são raros e aparecem pouco, pois desprovidos de carência, confiam mais em sua presença marcante do que em sua presença frequente. Não é aquele amigo que desaparece quando começa a namorar, e te procura depois da primeira briga para afogar as mágoas. Nem aquele que te procura todos os dias para reclamar da vida, e que nunca pode fazer absolutamente nada por si mesmo, por que é “coitado” demais. Não é a pessoa que te liga para agenciar alívio para as suas carências, isto, depois de ser chutada por meia dúzia.
É mais aquela pessoa que tem um tempinho no meio da rotina avassaladora, e te convida para um café rápido, só para atualizar as novidades, matar as saudades do seu sorriso, te olhar nos olhos e dar um abraço, até que possam curtir um momento extenso de fato. Paradoxalmente, valemos mais para quem não precisa de nós e ainda assim nos procura. Quem não precisa de um amigo a mais, de um ouvido extra, de alguém para pagar a cerveja ou apresentar um pretendente. Quem simplesmente, aparece por querer bem. Estes exalam perene presença, não se extinguem nas barreiras do tempo e do espaço, o vigor do laço perpetua contatos em pensamento.
Dessas relações que nos consomem, que nos tiram a solidão para nos encher de lixos banais, que desmerecem nossas pequenas conquistas, que dizem estar felizes por nós com sangue nos olhos, que nos tratam como um vaso sanitário para aliviar suas merdas. Dessas relações outlet, esvaziam-se aqueles que se percebem inapropriados para consumo. Quando nos percebemos menos como objetos e mais como seres humanos, a solidão deixa de ser desengano, para ser espaço pleno de recepção de tudo o que nos alimenta a existência, em detrimento dos detritos da mesquinharia daqueles que desejam apenas tirar uma casquinha.
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