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Algumas considerações sobre o Divino, a espiritualidade e as suas derivações mundanas

Sobre o divino (I)

Sou perfeitamente capaz de sentir aquele quanto de felicidade que nos reserva, a nós homens comuns, a possibilidade do Nirvana, ainda que de modo fugaz, sem permanência. Aliás, trata-se de algo que já senti tantas vezes. Assim como sou perfeitamente capaz de sentir-imaginar aquela fusão com o todo, ou a permanência consumada num estado de infinita felicidade, que cabe apenas aos homens iluminados. Sou capaz de ser, portanto, um pouco iluminado; sou capaz de ter, portanto, um pouco do Divino em mim. Até porque eu não tenho, de todo, dificuldades em sentir e imaginar. Mas também sou perfeitamente capaz de identificar o lado fantasista dos meus sentimentos, condição que mais me afasta do primitivo que há em mim.

Sobre o divino (II)

Que um homem não adquira convicções inabaláveis sobre a sua perceção-entendimento do Universo Divino, pois deve sempre aperceber-se de que é demasiado pequeno para não estar muito enganado.

Sobre o Divino e a perfeição-felicidade

“O objetivo de fazer o ser humano feliz não estava nos planos para a criação do mundo.” – Sigmund Freud

A infinita felicidade do homem iluminado só cape na infinita dimensão da nossa capacidade para imaginar e, desse modo, satisfazer o desejo.

Sobre a mente e a mentira psíquica

Neste mundo de tantas mentiras e/ou ilusões o que mais nos mente é a nossa mente, que nos mente muito e sempre nos mente, não fora a dissimulação do que lá está (dentro de nós), a sua arte, ou seja, a condição necessária ao exercício dinâmico das suas funções essenciais, cujo fim último nos escapa. Perante todos estes rodeios inconscientes das mentiras que nos conta a nossa mente, podemos contudo manter-nos, ou não, avisados, tomando a nosso cuidado duas atitudes distintas: ouvir como verdades as mentiras que nos conta; ou então ouvi-las como mentiras que são. E isto fará para nós toda a diferença, entre aquilo que é mentira e aquilo que é verdade. Claro que sempre virão os que não excitarão em refugiar-se de novo naquele lugar-comum, lembrando então que no campo fértil da mente a verdade não existe, nem sequer é interessante. Mas na verdade procuram estes, nem mais, nem menos, do que salvar as mentiras que lhes interessa preservar, não estando nunca interessados na verdade, como algo que fazem questão considerar que não existe. A mentira é, efetivamente, uma disciplina bem mais fácil e conveniente que a verdade.

Sobre as aparências de carácter 

“Quanto mais perfeito parece por fora, mais demónios tem por dentro.” – Sigmund Freud

Feita esta citação permitam-me agora anotar que Freud, garantidamente, não se referia à roupinha vistosa e de boa marca, à maquilhagem, à mala Vuittom e ao Audi TT da senhora “não sei quê”, que auferem uma certa aparência externa socialmente valorizada (tanto quanto criticada; e vem desta critica um esclarecimento acrescentado, sobre o valor que realmente lhe damos); referia-se sim à aparência do carácter, à aparente nobreza do carácter, que quanto mais exibida, mais se destina à dissimulação. E também não nos devemos esquecer aqui que quando Freud fala, é sobre o inconsciente que fala. Nesta medida, as formações reativas são só um exemplo menos dramático desta aparência de carácter (pior será o falso self), mas que muito bem a elucidam. Portanto, de inconsciente se fala. A psicanálise não moraliza, nem sequer quando se trata do Divino, que é o reino do bom caracter.

João Carlos Viegas

Psicólogo Clínico Psicanalítico, ex-docente universitário de Psicanálise e de Técnicas Projetivas, presentemente trabalha exclusivamente em clínica privada - Psicoterapia Psicanalítica. É director clínico do site de atendimento psicológico online: Psiconline.pt - Serviços de Psicologia e Saúde Online.

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