Por Marcela Alice Bianco e Juliana Santos

Dependência emocional, ciúmes, possessividade, controle e desconfiança! Quantos dos nossos relacionamentos são marcados por essas características tão destrutivas? Qual seria a origem de tantos males? Por que muitas vezes não conseguimos viver formas mais livres e genuínas de amor? Por que nos custa tanto o desapego, tão necessário às relações saudáveis?

O Psiquiatra suíço, C. G. Jung sabiamente afirmou que “as grandes decisões da vida humana estão, em regra, muito mais sujeitas aos instintos e a outros misteriosos fatores inconscientes do que a vontade consciente, ao bom-senso, por mais bem-intencionados que sejam”. Assim, para entendermos esta questão precisaremos ir a fundo nos aspectos que permeiam o relacionamento humano.

Há muito tempo as pesquisas em neurociências empenham-se em desvelar os meandros das relações humanas. Hoje, já é sabido que nosso cérebro executa sua plasticidade a partir das interações que nos proporcionaram, e das que fomos capazes de fazer ao longo de nossa vida. Ou seja, nosso futuro não é um fato isolado, mas uma consequência daquilo que oportunamente nos foi possível aprender e apreender desde que fomos concebidos, somados às nossas capacidades individuais. Assim, quando se trata de entender as relações, nos é necessário considerar o modo como estas são construídas desde a nossa infância.

Somos essencialmente sociais e subjetivos! Quando bebês, carregamos dentro de nós um instinto de ligação e formamos com nossos cuidadores uma importante relação de apego. Ao mesmo tempo, eles também se ligam a nós. Este elo que se forma, fundamental ao cuidado e à proteção da vida, poderá oferecer ao indivíduo um senso de segurança, que lhe garantirá a sobrevivência psíquica, ainda que em ambientes ameaçadores.

As relações de apego são essenciais para a ativação e estimulação das nossas capacidades e habilidades, potencializando o crescimento humano. As primeiras interações são primordiais para que a criança crie registros de memória de segurança ou insegurança diante do mundo que a cerca. Esses vínculos poderão marcar o tom emocional que daremos aos fatos por toda a nossa trajetória de vida, influenciando nosso comportamento, nossa percepção da realidade e expectativa do futuro, em geral de maneira inconsciente.

Quando o cuidado ocorre na medida certa, crescemos com uma base segura e confiante! Serão sólidas nossa autoestima, independência e autonomia. Consequentemente, nos relacionaremos com os outros de maneira mais leve, harmoniosa e saudável.

Mas, esse carinho e proteção na dose ideal, não é tão fácil assim de acontecer. No nosso nascimento estamos condicionados à biografia dos nossos pais, à nossa genealogia e ao nosso self social e cultural. E no caminho da evolução humana temos encontrado inúmeros desafios para a realização plena dessa medida certa do cuidado.

Dominados por uma cultura predominantemente patriarcal, desde cedo impomos regras para a expressão do amor. Tendemos a ditar o que é certo e errado, a traçar curvas de normalidade para os comportamentos, enquadrar e organizar as experiências humanas em padrões morais, estéticos, herméticos e racionalizados. O conhecimento e o relacionamento por meio da experiência dos sentidos e das sensações, mais ligados à experiência do matriarcal, ficam negligenciados e, por consequência, perdemos o contato com nossa essência e com os caminhos do amor verdadeiro.

Nesta continuidade histórica, podemos nascer em famílias despreparadas para oferecer essa relação de apego seguro, porque elas mesmas não vivenciaram tais experiências na construção de suas personalidades, levando à diante um ciclo contínuo de transmissão intergeracional de insegurança.

Muitas crianças sobrevivem hoje em lares devastados pela insuficiência de amor, nos quais prevalecem as relações de poder, de insegurança ou de indiferença. São envolvidas nas agressões, nos limites rígidos, nos descontroles, vícios, ciúmes, possessões, processos depressivos, choros contidos, isolamentos, distanciamentos afetivos e em tantos outros processos desumanizantes. Flagelos à alma ainda indefesa e em desenvolvimento, que fazem com que o amor e a capacidade de amar, cresçam minguados, confusos e solitários, precisando sempre testar a realidade do momento para determinar o próximo passo.

Crianças que vivem em ambientes assim, usurpam inadequadamente o uso de sua função intuitiva afim de proteger-se antecipadamente das consequências desestruturantes dos momentos de insegurança, negligência e terror, pelos quais passam. Elas aprendem que para sobreviver, é preciso se defender dos monstros que moram dentro e fora delas. Estas feridas emocionais podem perdurar pela vida inteira (veja também 5 feridas emocionais da infância que podem persistir na idade adulta).

Repetidas experiências de desamparo, provenientes da pessoa por quem a criança investiu energia, afeição e confiança, resultarão na incapacidade de ligar-se satisfatoriamente a outras figuras de apego ao longo da vida.

Segundo a psicóloga clínica Ana Maria G. Rios, “falhas nos relacionamentos interpessoais levam a dificuldades de criação de um sentimento de unidade e continuidade de si mesma na criança, sentimento este que constrói sua narrativa de vida através do passado, em direção ao futuro“.

Fixada num comportamento egocêntrico, quando adulto, possivelmente verá diante de si dois caminhos: ou não se apegar mais a ninguém ou investir em relacionamentos afetivos marcados pela dependência, pelo ciúmes, possessividade, carência e controle. O Outro deverá viver, sintonicamente, atendendo seus desejos ou necessidades, caso contrário, estes adultos se desestruturam, vivenciando uma verdadeira experiência de luto, ou confusos, agem agressivamente na tentativa de reverter a situação e manter a pessoa amada por perto.

As feridas da infância são assim projetadas nas relações atuais, tanto porque não há outro repertório a ser usado pela pessoa, quanto porque a nova relação também constitui terreno fértil para a reconstrução do afeto e de novas conexões e caminhos neuronais, agora mais saudáveis e equilibrados. Cada novo amor é uma nova chance de aprender a amar e ser amado!

Assim, aqueles que se veem envolvidos em relações perturbadoras, dependentes e desestruturantes precisam amadurecer o afeto dentro de si! Rever, reajustar e ressignificar as primeiras relações de apego. Compreender quais as vias seguras e saudáveis para a vivência e expressão do amor. Porque se sufocarmos ou destruirmos o Outro por causa do nosso medo da solidão e do desamparo, também sufocaremos e destruiremos nossos próprios potenciais de humanização, autonomia, independência e segurança sobre as próprias bases, sobre os próprios pés.

Precisamos de apego para aprender o desapego! Para amar é preciso “desapegar na medida certa”!  Nem demais e nem de menos! Se amar é “Ser com o Outro”, há de se ter espaço para a expressão das individualidades e isto implica liberdade, segurança e confiança. Seja e deixe o Outro Ser! Só assim permitiremos que tanto nós quanto o Outro possa se sentir feliz, seguro e realizado. Para que o amor e o encontro sejam o que têm de ser:  um momento de plenitude e estímulo aos nossos potenciais de realização humana.

Para que o amor seja nosso antídoto e não nosso veneno. Para que ele permita a transformação e não a estagnação. Para que ele seja a luz que ilumina o nosso caminho e não as trevas que nos lançam na escuridão.

Para que através do amor possamos reconhecer o que há de melhor no Outro e em nós e assim, nos libertemos dos grilhões patriarcais da nossa história pessoal e de toda humanidade.

Para que as novas relações não sejam uma reprise dos nossos primeiros vínculos desajustados e insuficientes, mas que sejam nossa verdadeira salvação!

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Biografia

Bowlby, J. (1990). Apego e perda. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1969).

COZOLINO, L. The Neuroscience of Psychoteray: Healing the social brain. WW Norton & Company, 2010.

JUNG, C. G. Obras Completas. 7ª Edição. Petrópolis: Vozes, [1971], 2011, v. XVI/1

RIOS, A.M.G. Resiliência na infância. In: ARAUJO, C.A.; MELLO, M.A.; RIOS, A.M.G. (Orgs) Resiliência: Teoria e Práticas de pesquisa em Psicologia.  São Paulo: Ithaka Books, 2011, p. 42-67.

WHITMONT, E. C. A busca do símbolo: Conceitos básicos de Psicologia Analítica. São Paulo: Cultrix, 2008.

Autoras

Marcela Alice Bianco 

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

 

Juliana Pereira dos Santos – Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica Junguiana. Aprimoranda em Psicopatologia e Psicologia Simbólica pelo Instituto Sedes Sapientiae e Coach formada pela Sociedade Brasileira de Coaching. CRP: 06/ 108582

Psique em Equilibrio

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