Nossa destinação é de glória.
Guimarães Rosa
Podemos pensar a vida como uma meada, ou um novelo de fios de lã que nos é entregue assim que nascemos. Não sabemos de que tamanho é esse novelo; sua metragem é o grande mistério!
O que precisamos é aprender “vagarosamente” a lidar com esse fio tão precioso e singular: aprender a ser “tecelões”. Fazer uma obra de arte.
Nos primeiros anos de vida, nossos pais, avós, professores e tantos outros sentam-se ao nosso lado, dão-nos suas mãos, seu colo e sua atenção para que aprendamos os primeiros pontos deste tricô/vida.
Somos ainda rígidos, um tanto desajeitados, mas com ensaio e erro vamos tricotando o engatinhar, o andar, o falar, ler, escrever, brincar… Nessas primeiras carreiras, os pontos saem bem apertadinhos, por isso ficam marcados para sempre em nossas memórias.
São anos de pura sensação, de inconsciência profunda e nem sequer passamos a nos interrogar para que aprender tudo isso.
Ah! Com certeza esses são os “anos dourados” , pois o fio que tecemos está coberto do pózinho do pirilimpimpim, dos beijinhos na bochecha e das cantigas de ninar.
Mas vamos em frente, que o trabalho vai ficando cada vez mais interessante e instigante! Chegamos, assim, à “danada da adolescência” (para os pais, é claro!).
Agora o fio vai ficando mais frouxo, soltando-se com mais facilidade do novelo e acreditamos que esse fio não se acabará nunca e que é bem resistente. São anos de pura emoção.
Muitas pessoas vão entrando nessa ciranda do tricô, várias mãos vêm ao nosso encontro e várias vozes dizendo como devemos laçar o fio. A confusão instala-se. Às vezes, as carreiras ficam molhadas por nossas lágrimas, às vezes, trêmulas por conta dos excessos, ou então, por sonhar acordados, acabamos dando laçadas a mais em nosso tricô/vida.
Pensando bem, esses são os ”anos dourados” , pois o fio está banhado no fogo das paixões. Após todo esse “frisson”, o ritmo não diminui, mas muda e o tom sobe uma oitava.
Ao atingirmos a maturidade, trabalhamos bastante, constituímos família, fazemos novos amigos e perdemos outros. Sentimo-nos desbravadores e acreditamos que temos braços e dedos ágeis para muito mais. Esses são tempos de pura ação.
Entendemos que é hora de sermos ousados e eficientes e o ponto – tricô tem que ser trocado pelo ponto- meia; afinal, precisamos fazer o pé- de- meia!
Ah! Com certeza esses são “os anos dourados”, pois o fio está banhado de realizações, de poder aquisitivo, de amigos novos e antigos, e de medo também. E o medo não é aquele que nos faz amarelar?
O relógio anda, marca horas, dias e anos; há momentos felizes e momentos de tristeza e assim vamos nós. Até que chega um tempo em que nosso olhar torna-se mais atento, querendo entender que novelo é esse e como fazer para espichá-lo.
São anos de muito pensamento e introspecção. É o pôr do sol chegando para o tecelão e com ele o dourado da estação mais dourada – o outono. São esses, então, os verdadeiros “anos dourados”.
E assim vamos vivendo, tecendo sonhos, realizações, ilusões… Sempre aprendizes, sempre virgens frente às novas possibilidades que estão por vir.
É linda esta tecelagem, mesmo com suas imperfeições. Lembranças brotam em cada ponto que lá está.
Anos dourados são, pois, todos os anos da nossa vida, todas as carreiras tecidas, vividas e compartilhadas. Quando compreendemos que este fio é o grande presente que recebemos do nosso Pai do Céu, nos damos conta de que ele é dourado em toda a sua extensão, pois é divino. Por conta dessa verdade e por sua origem tão sagrada é que comemoramos com muita alegria o nosso aniversário.
Imagem de capa: As Moiras, com o fio da vida. Alegoria, por Strudwick (1885).