Por Lourival Antonio Cristofoletti

Todo começo de texto é constrangedor. Falar é mais relaxante: ninguém precisa escolher palavras. A linguagem oral – assim com a vida – sente falta do backspace e nem sempre aceita bem as reformulações, já que o dito está feito.

A história e a sina de cada texto já foram traçadas no momento exato em que foram pulsadas – não precisa de linha, tecido ou agulha, para haver a trama. Tudo o que cabe fazer é trazer à tona os fatos que insinuaram as concepções, principalmente as atemporais.

Gente estudada diz que “toda versão é verdadeira”. As tais versões em aberto existem para alimentar celeumas, trazer encantamentos, soprar inveja, oferecer possibilidades, só que sempre à espera de um desfecho.

Mesmo que, em algum contexto específico, se solidarize aqui, que se revisite ali ou se ressinta acolá, não há como negar que foram situações que justificam uma farsa, um drama ou a pompa da existência.

Na dúvida, avançar; sob pressão, insistir. Para quê? Quem sabe, para querer realizar o melhor ao alcance: pode-se querer um gabarito, se os eventos são complementares?

Cada indivíduo inagiu, sentiu, fez e desfez segundo seu estágio – maturidade, ousadia, humildade, sabedoria, naturalidade. Se pedissem para um filósofo de lá de perto de casa fazer uma síntese, diria: “Cada qual aconteceu segundo o seu grau de acabamento interior”.

O condicional gosta de ser visto como um lúdico recurso de quem pede sonhar. A ação, mesmo despropositada ou estapafúrdia, é mais intensa, poderosa, reverberante, do que a mais pretensiosa intenção.

Se for para abrir espaço, que o seja no vigor do fazimento, mesmo que temperado de equívocos. Se for para sentir, que o seja na intensidade da ausência de freios e no liberto desprezo das amarras.

No breve espaço de tempo em que acontece a história em cada existência há clima e intensidade para reverberações pela eternidade, pedindo instigantes ingredientes: atitude, fantasia, coragem, rebeldia, originalidade, credibilidade, ousadia, intensidade, desejo (parente do lampejo).

Não é necessário ter o tino de acertar da primeira vez. Tem um porém: se não ousar insistir quando ninguém acredita, terá que se contentar com a mornidez da insossa existência nutrida pelos tais estéreis aprendizados.

Nas muitas vidas que se vive nesta levada pede-se encarecidamente que se troque à revelia de papel: atento observador, contumaz leitor, paciente ouvinte, incansável pesquisador, solidário amigo, impetuoso protagonista.

Cabe à ficção o papel de farsante, fingindo-se realidade nos momentos em que desencadeia suspiros e arrebata aplausos desse tipo de plateia carente (triste do ficcionista cujas obras são compostas apenas de fatos tristemente inventados).

Muitos dos que compartilharam esta sua história, ainda devem estar por lá – nem que seja em repouso ou escondidos em sinuosos becos da memória. Os menos inábeis reescreveram o passado, maquiando as identidades originais, como se fizessem de conta que a vida deles sempre foi de aluguel.

Pouco importa, agora: não é hora de se dizer nomes e nem compensa constituir um acerto de contas. Cada um que se ouse colocar nas narrativas e vivencie o personagem que lhe veste melhor. Para tudo a lacônica frase: “É possível – ou não”.

Mais importantes que as identidades costumam mostrar-se as entidades que teceram os diferentes sentimentos – paixão, indiferença, ódio, passividade, cumplicidade, arrebatamento – e tramas que invadem, sorrateiros, algumas das dependências da distraída imaginação.

Falar – muito – cansa, tanto quem não ouve como aquele que colore narrativas ou as inventa. Vista sua alma com roupa de rave: o agito vai começar.

Em breve uma nova turma será formada: se o desejar, como uma criança que não se cansa de se deleitar com a surrada e repetida – e por isso encantadora – fábula, volte outras vezes, tantas quantas seu desavisado coração consentir passeios pela cronologia.

A cada etapa da narrativa haverá um sorteio de oportunidades de mergulho à memória, desencanado pelo sopro da aventura, em diferentes entonações, com variações de profundidade.

Poderá caber à saudade a tarefa de invadir a festa – sessão colação -, entremeando um arrazoado de abordagens com serelepes questionamentos, reféns das irreflexões:

– Se eu tivesse tentado um pouco mais, tudo teria sido diferente!;
– Hoje eu sei de coisas que me fizeram falta naquele momento;
– E o orgulho estragou tudo!;
– Eu bem que sei do que se está falando: poderia ser minha essa história!;
– É, quem a vê hoje tão referência fica sem saber – e nem imagina – a “pinta brava” que ela já foi;
– Se tivesse jogado limpo naquela época, não teria chegado a esse desfecho;
– Por que fui dar tanta importância ao que a outra mãe pensava sobre mim?;
– Meu Deus: como eu soube ser lerdo e insensível!;
– Se naquele momento a gente tivesse exibido um tanto mais de maturidade … ;
– Com aquela pessoa ainda está bonita! Com charme e dignidade! Formidáveis os banhos de cultura e de civilidade que tomou! E ela poderia estar aqui, comigo!;
– Incrível essa minha capacidade de chutar o balde de forma tão inconseqüente;
– Era uma pessoa tão simplória. Quem, em são consciência, poderia imaginar que iria transformar-se em tudo isso?;
– Eu queria poder voltar ao passado para tirar umas coisas a limpo: quanta coisa eu não jogaria fora, quanto valor eu daria de maneira diferente!

Alguém consegue perceber que essa ladainha poderia não ter fim? Quantas outras indagações e conclusões não deveriam ser inventadas? Então, tá: mudemos, pois, de ilusões.

Uma boa fábula diz que, para que a verdade aconteça, é preciso que nela se creia – desejoso corpo, criativa mente, suspirante alma. Que a leitura seja rica, a viagem, farta, o desejo, despertado: muita coisa ainda clama por se feita.

É, elas são na batida linha “que a sua vida valha a pena e deixe de ser amena”. De coração (emprestado), deseja-lhe quem escreve – e que nem quis se identificar.

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

Paulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : lourival.cristof@uol.com.br
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

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