Tremenda saia justa é conviver com aquela pessoa que mal te conhece e age como se fosse a sua mais antiga e íntima amiga de infância. A criatura se porta com a desenvoltura de quem partilha do mesmo prato, cama e teto com você, mas no fundo é só alguém que, por pura falta de noção, invade o seu espaço e te coloca numa difícil situação em que, ou você coloca limites claros ou acaba virando cabide emocional.
Intimidade é consequência de uma afinidade solta, prazerosa e natural que brota espontaneamente do convívio, de vivências partilhadas e da sintonia que se constrói a partir da relação de confiança e reciprocidade.
Intimidade é um presente, precisa ser oferecida, não pode ser tomada. Às vezes acontece de nos tornarmos íntimos de alguém assim, com a facilidade de uma prosa leve e cheia de significados. Essas ligações são raras, não é possível prevê-las, planejá-las e muito menos forçá-las.
Forçar intimidade é invadir o espaço do outro buscando satisfazer uma necessidade particular e egoísta. Coagir o outro a uma proximidade artificial acaba provocando muitas vezes o efeito reverso da construção de uma relação verdadeira. Não há ninguém que sinta prazer em permanecer com outro alguém num convívio imposto e desprovido de naturalidade.
Seja em família, num relacionamento amoroso ou de amizade, há que se respeitar o direito do outro a ter seus territórios particulares e íntimos. É dificílimo lidar com alguém que não percebe esses limites por si mesmo e fica arranjando artimanhas e pretextos para nos enredar em suas próprias experiências, como se fôssemos um cenário ou um personagem fictício a serviço de suas vontades.
A beleza dos relacionamentos está na maneira como o convívio vai sendo desenhado, moldado e tecido por tantos pares de mãos e corações quantas forem as pessoas envolvidas. A proximidade é consequência de um bem querer que vai florindo aos poucos, que vai colorindo a vida com a deliciosa junção de diferenças, semelhanças, discordâncias e anuências.
Façamos por merecer o desejo daqueles que nos cercam em nos receber em seus espaços. Tenhamos a sensibilidade necessária para perceber o que é escassez de bom senso, excesso de exposição e invasão de privacidade. Sejamos generosos, sem deixarmos que a nossa vaidade use essa generosidade como disfarce para interferir nas escolhas alheias. Olhemos para a delicadeza do equilíbrio nas relações, com a devida reverência de alguém que entra na vida do outro como quem pisa em território sagrado, pois sagrado é observar que respeitar a intimidade é, antes de tudo, uma legítima forma de amor ao próximo.
Imagem de capa: Estrada Anton/shutterstock
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