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Arte e a Cultura servem para quê?

“A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para quê.”
Jean Cocteau

Para que serve a Arte? Essa é a pergunta que assombra muito artista, que sempre procura se preparar e ter uma resposta pronta para todas as vezes em que ela surgir. Isso quando a opção não é responder com outra pergunta: E ela tem que servir pra alguma coisa? O problema aí, é que pode acabar deixando o próprio artista com mais uma pergunta para responder, a que ele mesmo formulou.

Quando escuto a pergunta, a minha primeira reação é achar uma pena que ela tenha sido formulada, que a gente ainda se encontre em um estágio em que haja a necessidade de se discutir essa questão. Mas, se a discussão está colocada, não dá pra fugir dela.

Sempre dá para usar todas aquelas obviedades, que a arte é alimento para a alma, que ela é capaz de tornar os seres humanos melhores e ainda mais humanos, que é uma expressão da individualidade, que torna a vida mais suportável e o mundo mais belo, todas são possíveis de se recorrer e acho que valem, em maior ou menor grau. E eu acredito mesmo que a arte possa ser um caminho para tornar o ser humano melhor.

Claro, nem todo mundo concorda. Contra essa ideia, sempre tem quem saque aquele exemplo batido dos nazistas, que realizavam atrocidades durante o dia e depois se emocionavam até às lágrimas, ouvindo Bach em suas casas, à noite. Também acho uma pena que a gente tenha que discutir esse tipo de formulação, superficial e até tendenciosa. Não é função da arte transformar ninguém em santo. Também não é função fazer com que alguém questione uma ordem dada, por mais moralmente discutível que ela seja. Muito menos, é função da arte impedir que crimes sejam cometidos. Mas ainda assim, não é impossível que ela possa, eventualmente, ter um efeito colateral desses.

A arte, por si só, não vai ser capaz de realizar transformações revolucionárias de caráter, é um elemento entre vários outros para a construção de uma personalidade. Não é uma equação simples, com causa e consequência fáceis de medir, na linha ouça música clássica e torne-se incorruptível; assista a uma peça e livre-se de toda maldade; leia um livro e seja beatificado.

Quando um país entra em crise, os primeiros cortes que são feitos acontecem exatamente nessa área. Portugal, por exemplo, extinguiu o seu Ministério da Cultura assim que a crise se anunciou. Hoje, a área tem apenas um Secretário de Estado. Não é sequer uma Secretaria, é apenas um Secretário. Quando o governo português começou a considerar a hipótese da extinção, Manuel Maria Carrilho, um ex-ministro desta pasta lamentou o fato e acrescentou que a Cultura devia ser um dos setores “a alavancar a saída da crise”. E essa afirmação tem razão de ser, como vai dar pra ver mais para frente.

De 2014 para 2015, o Brasil também fez grandes cortes na área cultural, especialmente na esfera Federal e na Estadual. Na Federal, o orçamento do Ministério, já pequeno, enfrenta mais reduções, além de manter as distorções criadas pela Lei Rouanet, que na prática transforma diretores de marketing em gestores culturais. Para piorar, está em discussão nesse momento imitar o exemplo português e extinguir o próprio Ministério da Cultura na reforma que se aproxima. Na Estadual, o governo igualmente reduz o orçamento, fecha Oficinas Culturais e prepara o desmonte de uma TV que foi reconhecida como detentora da 2ª melhor programação do mundo, uma TV que leva a palavra Cultura no próprio nome. Vai ver que é esse o problema, quem sabe?

Em frente à crise, entra outra questão que assombra alguns artistas: é justo o governo dar dinheiro para uma peça, quando poderia empregar para construir mais hospitais, por exemplo? Sempre dá pra responder essa focando mais no abstrato, no alimento da alma etc etc etc, que também seria válido, mas tem uma forma mais concreta de se responder a essa pergunta e nem passa pelo fato de que a porção dedicada à área fica abaixo de 1% do orçamento total do Governo.

A resposta passa por aquela declaração do ex-ministro, sobre a Cultura alavancando a saída da crise. Na semana passada, Portugal apresentou as conclusões da Conta Satélite de Cultura para o período de 2010 a 2012, uma pesquisa que analisa o impacto que as atividades culturais causam na Economia. Uma das conclusões é que a Cultura gera mais riqueza para o país do que as indústrias de alimentos ou mesmo a agricultura. Segundo declaração do tal Secretário de Cultura, “Nós valemos mais do que alguns elementos da economia. Em termos de riqueza valemos quase tanto quanto as empresas de telecomunicações”. Uma pesquisa como essa pode mudar muito a forma como se encara o setor e nós precisaríamos muito de uma parecida aqui no Brasil, para que fosse avaliada a nossa realidade. Enquanto ela não vem, ainda podemos olhar um pouco mais para o impacto da Cultura na economia de outros países.

Os Estados Unidos, por exemplo. O cinema lá gera bilhões de dólares e emprega milhões de pessoas. Em 2014, o teatro arrecadou mais do que o esporte em Nova York. Dá pra imaginar isso? Em termos brasileiros, é como se, em São Paulo, mais gente pagasse para ver TAPA, Parlapatões, Satyros e Folias do que para ver Corinthians, São Paulo e Palmeiras. Caminho longo pela frente, não? Sim, e talvez a gente nunca chegue lá, mas não dá pra deixar de caminhar.

Para que serve a Arte? É uma pena que a pergunta tenha sido feita, mas já que foi, a gente pode procurar as melhores respostas e tentar aumentar a presença dela na vida de cada pessoa, em um país onde 61% da população nunca assistiu a uma peça de teatro, 71% nunca foi a um museu, 75% nunca assistiu a um espetáculo de dança e 89% nunca foi a um concerto de ópera ou música clássica *. É, o caminho é longo…

* Dados de uma pesquisa do SESC em parceria com a Fundação Perseu Abramo, realizada em 25 estados, em 2013.

Fabio Brandi Torres

Nasceu 15 dias antes da chegada do Homem à Lua e é dramaturgo, roteirista, tradutor e produtor, mas conforme a ocasião, também pode ser operador de luz, de áudio, bilheteiro, administrador e contrarregra, ainda que não tenha sido camareiro, mas por pura falta de oportunidade. Questão de tempo, talvez, já que quando se faz teatro por aqui, sempre se cai na metáfora futebolística do bater escanteio e correr pra cabecear. Aliás, se aposentou do futebol na década de 80, quando morava em Campos do Jordão, depois de uma derrota por 6×0 para o time de uma escola adversária, cujo nome não se recorda. Ele era o goleiro.

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