Rubem Alves, após mastigar, ruminar e digerir Santo Agostinho, disse que possuímos duas caixas: a de ferramentas e a de brinquedos. Nossa caixa de ferramentas, segundo ele, seria aquela que abriga as coisas úteis, os instrumentos, tudo aquilo que é necessário para a sobrevivência; enquanto na caixa de brinquedos encontraríamos o empinar de uma pipa e o rodar de um peão, a leitura de um conto e uma dança de salão: inutilidades, coisas que pertencem à ordem do amor.
Ao me deparar com esta feliz metáfora, me pego refletindo sobre como temos administrado nossas caixas. Consigo pensar em várias pessoas do meu convívio que, por excesso de obrigações – que a sobrevivência impõe ou que elas mesmas criam -, devem estar com suas caixas de brinquedo empoeiradas pelo abandono.
Focados na concretização de objetivos diários, sejam eles maiores, como passar em uma prova, ou menores, como a garantia da limpeza corporal, recorremos, constantemente, a leituras técnicas e sabonetes, e negligenciamos – ou brincamos com eles acompanhados de culpa – os brinquedos que nos presenteiam com o prazer singular que reside nas coisas que não são meios, mas amadas por si só.
Tempos atrás, indiquei a um amigo um seriado do qual gostava muito e ele confessou que preferia não começar a assistir pois poderia se interessar e aquilo seria perda de tempo, não o levaria a lugar nenhum. Já eu, vez ou outra, faço questão de não ir a lugar nenhum: sento no chão e esparramo os brinquedos da minha caixa, afinal, como disse Rubem Alves, “quem está brincando já chegou”.
Ainda que a felicidade também more na caixa de ferramentas e, com um punhado de sorte e escolhas bem feitas, a inutilidade daquilo que fazemos apenas por prazer possa se transformar em instrumento, acredito que, em um mundo que gira em torno do “útil’, que supervaloriza agendas lotadas de afazeres, é importante que possamos preservar aquilo que não nos dá nada além de descanso