Tremendo engano supor que crianças e adolescentes não gostam da escola. Eles adoram a escola! Basta observá-los à hora da entrada, quando trocam uma ideia, de forma espontânea, sobre a vida, seus problemas, as fases do videogame; pode até rolar um papo informal sobre o fim de semana, o Impeachment, “os coxinhas e mortadelas”, o terremoto no Japão, a dengue. Ou, quem sabe, ver com que entusiasmo correm para o recreio; batem uma bolinha sob o sol de rachar a cuca; ouvem músicas e cantarolam, partilhando o mesmo fone; dividem o lanche e as incertezas; compartilham pequenos segredos e azucrinam a vida uns dos outros. Tudo no maior engajamento, no maior foco, na maior diversão!
A escola é um lugar maravilhoso para aprender a conviver com as igualdades e as diferenças. É território seguro, onde não se precisa temer a violência lá de fora. É espaço de troca, partilha, exercício de tolerância, oportunidade de trabalhar em equipe, chance de vencer as dificuldades com apoio e respeito. Escola é ambiente propício ao exercício da democracia, onde todos devem ter o direito a falar o que pensa e o dever de exercitar a habilidade de ouvir.
E para que esse lugar de aprendizagens e “ensinagens” seja constituído assim, de maneira tão rica e verdadeira, faz-se necessária uma profunda reforma íntima na essência política dessa escola. Faz-se urgente rever crenças e configurações que, ao contrário de propiciar o exercício do diálogo; atiçar o fogo da curiosidade; alimentar o espírito científico; desenvolver capacidades de interpretação, reflexão e argumentação acerca do mundo, dentro e fora dos muros da escola; acolher eventuais necessidades especiais, adequando o ambiente de aprender e conviver de forma a integrar e, de fato, incluir a todos; as escolas, em sua grande maioria permanecem engessadas e à margem das transformações a que se renderam tantas outras esferas da sociedade.
Uma pena constatar que uma grande parcela das instituições de ensino, sejam públicas ou mantidas por mensalidades altíssimas, ainda adotam estruturas de ensino inchadas, repetitivas, pouco desafiadoras; baseadas em currículos nos quais as áreas do conhecimento não conversam entre si. Estrutura essa que gera nos estudantes uma postura de risco calculado cujo objetivo maior é obter uma nota suficiente para alcançar a média.
Triste demais observar crianças e adolescentes cativos em salas de aula, organizados de maneira rígida, onde ficam fadados a encarar a nuca do colega durante, no mínimo, cinco horas seguidas. Desperdício de tempo, de esforço e de energia. Não pode ser feliz, um professor cuja rotina diária fique resumida a reproduzir conceitos e fatos durante horas e horas, diante de uma plateia cujos interesses estão a quilômetros de distância da sala de aula.
Em pleno século XXI ainda há escolas cuja política educacional sustenta-se sobre um código de valores e diretrizes comportamentais tão arcaicas que pressupõe ser desrespeitoso o fato de o aluno interromper a “aula do professor” para fazer uma pergunta ou tecer um comentário. Prega a escola que “enquanto o professor estiver ensinando, a turma deve permanecer atenta e em silêncio”; assim, questionamentos e contribuições ficam guardados para depois, quando o professor determinar que já concluiu seu raciocínio, fala, discurso ou coisa que o valha.
Ora, essa escola parece desconhecer que uma pessoa em silêncio externo, pode estar vivendo uma avalanche de ideias, e pensamentos, e sonhos bem ali na sua frente, sem que se perceba. Essa escola não entendeu que o pensamento é livre (graças aos deuses!); e que, ao impor tão descabida regra, ensina em seu “currículo oculto” a dissimulação e a falta de honestidade.
Outra não menos lamentável questão advém da equivocada postura de algumas instituições de ensino, pautada na cega ambição de vender ao seu consumidor a ideia de “escola forte”; postura esta que, para sustentar-se, lança mão da simples transmissão de conhecimentos, despejados sobre os alunos, sem qualquer exercício de reflexão! É esse um dos mais estúpidos erros que uma escola pode cometer.
Focadas em resultados, procuram otimizar o tempo dos alunos de forma a fazê-los ingerir a maior quantidade possível de conteúdos programáticos, no menor tempo possível. Sem ter oportunidade suficiente para digerir tamanho tsunami de informações, crianças e adolescentes correm o risco de sofrer importantes deformações em sua relação com a aprendizagem, desenvolvendo desinteresse pelo estudo, comportamento irritadiço e agitado, falta de concentração, ansiedade e depressão.
A educação descontextualizada é caracterizada por propostas descoladas umas das outras, sem nenhuma possibilidade de estabelecer relações entre a teoria que se apresenta, a prática pedagógica que se espera ver desenvolvida e a capacidade de relacionar-se com o que acontece no mundo e além dele, desde seu entorno mais próximo até outros cantos do universo.
E para agravar o quadro, observamos na maioria das escolas uma visível falta de preparo e conhecimento para lidar com situações de conflito. Chega a ser assustadora a maneira como algumas delas são omissas diante de comportamentos abusivos, desavenças no futebol, questões de relacionamento, dificuldades para compreender limites de convivência e questões relacionadas às práticas sociais. A falta de tato para gerir conflitos é tão primária que num caso de desavenças na hora de “bater figurinha”, ou enfrentamentos mais incisivos na hora do futebol, por exemplo, a atitude que se escolhe assumir é proibir as figurinhas e tomar a bola.
O ambiente escolar clama por educadores que estejam preparados a criar espaços que possibilitem o desenvolvimento de habilidades para viver os conflitos, colocar-se no lugar do outro e respeitar o espaço de convivência. No lugar da proibição ou da punição radical, deveria entrar a prática da discussão construtiva, da construção de regras, do estabelecimento de limites e compromissos; assim como a definição de sanções que tenham relação direta com a transgressão praticada, de forma a garantir procedimentos disciplinares justos e real observância aos direitos e deveres de todos os envolvidos na comunidade educativa.
O cenário assustador fica completo quando, perplexos, observamos crianças de 7 anos fazendo provas; meninos e meninas sendo soterrados em quilos de lições de casa mecânicas e desinteressantes; maços de dinheiro gastos em materiais didáticos que não correspondem às necessidades dos alunos; cargas horárias cada vez mais estendidas, a ponto de as crianças passarem mais tempo na escola do que em casa; professores exaustos, atolados em pilhas de provas, fichas, livros, apostilas e cadernos para corrigir; turmas quase inteiras com notas abaixo da média, lotando salas de recuperação, cuja proposta é apenas oferecer um jeito de tentar reverter a situação da nota, nada além disso.
A solução para tamanho descompasso está no que deveria constituir a essência de qualquer escola: o diálogo e a participação democrática. Está nas mãos da sociedade batalhar por uma transformação profunda nas políticas educacionais, e interromper essa prática irrefletida que só faz fortalecer as desigualdades. A escola é terreno fértil para o desabrochar de cidadãos, em cujo espírito se faça brotar o anseio pela ação conjunta em sociedade. Que essa escola, se edifique graças à ação de todas as mãos que compõem uma comunidade educativa: educadores, pais, alunos, funcionários, vizinhos, familiares; todos vivendo a única e insubstituível experiência de pertencer.
Que comece a se constituir dentro das escolas o ambiente favorável à formação político-crítica de nossas crianças. É esse o ÚNICO caminho possível para quebrar o círculo vicioso de uma engrenagem corrompida social e politicamente. É essa a ÚNICA forma de transformar a mentalidade do nosso povo cuja subserviência é fruto da falta de conhecimento e gera, como consequência, um povo oprimido que não se mostra capaz de escolher, eleger e monitorar seus representantes políticos.
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