As Flores dos Flamboyants

Dona Mirtes, mulher de 70 e tantos anos, tinha cinco filhos e meia dúzia de netos. Todos foram morar na cidade grande, mas a visitavam sempre que os seus trabalhos ou a faculdade dos filhos dessem uma trégua.

Viúva, morava sozinha em uma pequena propriedade que o marido lhe deixara. Envolvia-se com a horta e com um pequeno pomar situado ao lado da grande casa. À frente, havia dois grandes flamboyants que plantou assim que se casou com Luiz, homem que amou até que seus olhos silenciassem dentro dos dela. Última imagem que o marido desposou: o par de janelas azuis que lhe mostrou a Luz do amor.

Seus filhos cresceram brincando à sombra dos flamboyants. As duas meninas faziam casinha de boneca ali embaixo enquanto que os garotos improvisavam um balanço com tábuas. Eles se balançavam e se estendiam até a casinha das meninas. E a confusão estava armada… Elas se zangavam, tentavam destruir o balanço, mas acabavam se cansando da tentativa de destruição e voltavam a brincar. Era assim todos os dias durante a infância dos filhos. Ela, da janela da sala, olhava, irritava-se, às vezes, mas se acalmava logo em seguida, deixando as brigas e as pazes por conta dos pequenos.

Agora, já idosa, passava boa parte do dia, na janela, olhando as árvores e refazendo os filhos, desejando-lhes, em briga ou em paz. Imaginava os netos no balanço, as netas brincando de casinha. Detia-se naquele pensamento e era feliz.

Descobrira, há pouco, o diabetes. O açúcar dos doces que preparava era seu grande veneno. Parou os doces. Os sucos feitos com as goiabas do seu pomar agora eram amargos. E foi assim se despedindo dos prazeres conhecidos pela boca.

Devido à doença, seus olhos começaram a embaçar, burlando as cores e os movimentos das flores dos flamboyants. Mesmo com seu cuidado em evitar os doces, toda a visibilidade lhe foi subtraída.
Vieram os filhos e netos, quiseram levá-la à capital para que se cuidasse; em vão, recusava-se outro espaço, outro cheiro, outro chão… Não queria salvar o corpo se os olhos já estavam comprometidos.

Um manhã, saiu tateando até chegar ao balanço velho deixado pelos filhos. Embaixo das árvores que amava, sentia o vento bater em seus olhos. Sentia os pés no chão.

Balançou-se. Atreveu-se. Balançou mais forte… Bem mais forte. As cordas velhas do brinquedo romperam e ela caiu quando estava lá, bem alto. Arregalou os olhos, tentando fitar as flores. Tanto tentou que conseguiu. Foi sua última imagem: as flores dos flamboyants que tanto amou.

Lucia Costa

É professora de Língua Portuguesa, mora em Patos, PB e escreve poemas, contos, crônicas…

Recent Posts

Agnaldo Rayol falece de forma trágica aos 86 anos e deixa legado na música brasileira

O cantor Agnaldo Rayol, uma das vozes mais emblemáticas da música brasileira, faleceu nesta segunda-feira,…

11 horas ago

Padre causa polêmica ao dizer que usar biquíni é “pecado mortal”

Uma recente declaração de um padre sobre o uso de biquínis gerou um acalorado debate…

11 horas ago

A triste história real por trás da série ‘Os Quatro da Candelária’

A minissérie brasileira que atingiu o primeiro lugar no TOP 10 da Netflix retrata um…

12 horas ago

Você sente “ciúme retroativo”? Ele pode arruinar as relações

O ciúme retroativo é uma forma específica e intensa de ciúme que pode prejudicar seriamente…

2 dias ago

Reese Witherspoon volta à comédia romântica neste filme encantador que conquistou o público da Netflix

Este comédia romântica da Netflix com uma boa dose de charme e algumas cenas memoráveis…

3 dias ago

Dica Netflix: Filme com Chris Evans baseado em um inacreditável caso real vai salvar a sua noite

Baseado em uma história real de tirar o fôlego, este filme de ação estrelado por…

3 dias ago