Protegemos nossas pequenas mentiras em vez de cuidar do relacionamento.
— O que está pensando?
— Por que fez aquilo?
— O que deseja?
Não respondemos o que vem à cabeça, filtramos o que seria mais importante falar, o que daria mais ibope, o que nos fortaleceria naquela situação.
A vontade de agradar é maior do que a vontade de ser verdadeiro.
Não aceitamos nossas imperfeições, e mascaramos os defeitos com imprecisões. A vergonha de errar nos leva aos grandes erros.
Sem querer, já estamos mentindo. E mentimos porque a verdade não impressiona. A verdade não tem roupa de festa. Ela fica abandonada enquanto exercitamos as mentirinhas. Não nos sentimos culpados, pois ninguém conhece a nossa verdade.
Batemos o pé por bobagens, compramos brigas desnecessárias, geramos discussões à toa.
Usamos a toalha do outro por engano. Pode estar encharcada e sustentamos que não foi a gente. Comemos um doce reservado na geladeira e somos capazes de jamais admitir a autoria e desfazer o mal-entendido. Quebramos um objeto na sala e fingimos que ele sumiu de repente.
Era algo simples de ser assumido, e deixamos passar. Criamos uma avalanche a partir de uma pedra de gelo.
Não confessamos o que aconteceu, e o costume ainda é incriminar quem nos chamou atenção, invertendo o jogo: – Não acredita em mim?
Trocamos a espontaneidade pelo orgulho, a franqueza pela persuasão.
Subestimamos quem nos escuta ou não nos julgamos dignos do que pensamos. Planejamos o nosso depoimento para soar natural. Premeditamos nossa conduta para receber somente elogios. Ao evitar os castigos e reprimendas, evitamos também a autenticidade.
Uma mentirinha é logo esquecida em nome de uma nova e não acompanhamos os juros.
A mentira é um modo de não ser julgado. Mas estamos nos condenando secretamente a nos afastar do que nos incomoda.
Nem é mentir no início de um relacionamento, o que é perdoável, é exagerar um pouco por dia. Sobre o emprego. Sobre o sexo. Sobre o amor. É falsificar nossa pobreza. Colocar uma manta para cobrir o sofá rasgado.
A partir de uma resposta mais agradável, desviamos o caminho, distorcemos algumas frases e somos obrigados a inventar todo um passado.
Prefiro estar acompanhado numa estrada real, ainda que penosa, do que viver sozinho em minha imaginação.
Imagem de capa: Reprodução
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 17/11/2013 Edição N° 17617