Por Raul Minh’alma
Estávamos casados há tão pouco tempo quando a vida decidiu que eu seria, também, uma daquelas pessoas de quem se ouvia falar nas notícias. Uma daquelas que eu lamentava à distância mas nunca imaginara ser. Estávamos casados há tão pouco tempo quando a vida decidiu que o meu fim seria um cancro no fígado. Caiu-me o mundo em cima e desfiz-me em lágrimas quando soube. Mas, por incrível que pareça, não é essa sensação horrível que me transporta para aquele momento, mas sim a tua reação. A tua reação calma, não por não acreditares que fosse verdade, mas por teres esperança que tudo ia dar certo, desde o primeiro segundo. E apesar das muitas pessoas que eu tenho na minha vida, é por ti que o meu coração chama neste momento, e é para ti que vão estas minhas palavras. Não queria, meu amor, mas sinto que são as últimas…
Era tão simples teres-me deixado entregue aos médicos durante todo este tempo. Era tão simples nunca te teres preocupado tanto se eu comia, se me doía ou se me tratavam bem. Era tão simples não teres passado tantas noites neste sofá desconfortável, ao lado da minha cama, quando apenas te bastava ires dormir a casa e voltares no dia seguinte. Era tudo tão simples, mas tu nunca deixaste que fosse, mesmo quando eu insistia contigo. Mesmo quando te implorei para seguires com a tua vida, tu decidiste sempre ficar. E fizeste tudo isto, não por obrigação, não por pena, não pelo que as outras pessoas iam pensar, mas porque um dia cometeste a loucura de te apaixonares por mim e de me escolheres para partilhar o resto dos teus dias. E todas essas noites mal dormidas, todas essas discussões com os médicos nos corredores (sim, eu ouvia), todas essas vezes em que ias a chorar para casa (sim, eu sabia), e todas essas horas perdidas a fazer-me companhia, tudo, tudo, por mim. Eu precisava de uma segunda vida para te compensar tudo isto. E tudo isto me dói, podes não acreditar, mas sinto que sofri mais com as tuas dores do que com as minhas. Posso não ter uma segunda vida, mas o que me sobra desta será dedicado a ti.
Deixaste, muitas vezes, de ser a minha mulher, por minha causa, para poderes ser a minha amiga, companheira e enfermeira. Deixaste de ser feliz por minha causa, porque tiveste de transformar toda a felicidade em esperança. E por tudo isto e tudo mais, te peço desculpa. Mesmo que não tenha culpa deixa-me pedir-te desculpa. Desculpa não ter sido a pessoa certa para ti, a pessoa que iria viver o suficiente para fazer valer o “para sempre” que te prometi. No fundo sabia que eu não tinha sido feito para durar muito tempo. Mas eu não queria viver muito tempo, queria viver o suficiente. O suficiente para te amar como mais ninguém, o suficiente para te dar os melhores dias da tua vida. O suficiente para experimentar, conhecer e viver tudo o que pudesse ser vivido ao teu lado. Só queria viver o suficiente, mas não aguento mais, meu amor, desculpa… Lembra-te apenas que, se algum dia realmente vivi, foi porque tu viveste comigo. Se algum dia valeu a pena viver, foi porque nesse dia tu estavas ao meu lado. Uma vida contigo, por mais longa que fosse, saberia sempre a pouco, mas o pouco que foi fez valer por uma vida inteira. Obrigado!
Esteja onde estiver, quando leres estas palavras, faz uma coisa por mim e por ti: não deixes de viver. Por favor. És tão nova e linda, mereces voltar a ser feliz, como um dia foste comigo. Tudo passará, acredita. Vou pedir ao tempo que te ajude. E não te sintas mal se o tempo for a única solução para a tua dor, pois não haverá forma mais natural de a curares. Sei que encontrarás alguém que te dará aquilo que eu não consegui. Não fujas disso, agarra essa oportunidade de voltar a viver. Eu estarei feliz por ti, acredita, esteja onde estiver. Só te peço que me guardes para sempre no teu coração. Não te peço muito, num cantinho apenas, é suficiente. Eu levarei comigo o teu amor e, acredita, conquistar o teu amor, para mim, foi conquistar a eternidade. O meu fígado deixou de funcionar, e tudo em mim em breve deixará de funcionar, mas nem o último bater do meu coração ditará o fim do amor que sinto por ti.
Acreditava que aguentava mais um dia, para te voltar a ver, mas não aguento mais. Tudo o que eu mais queria era morrer nos teus braços, enquanto olhava o teu lindo rosto, mas já não vou a tempo, meu amor. Vou morrer entre macas e pessoas de branco que eu…
Nota da Conti outra: Agradecemos ao autor português Raul Minh´alma por nos enviar esse texto e autorizar a publicação nesse espaço.
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