Todos os dias acordamos na companhia de um estranho. Pouco interessa se você é branco, colorido, ou mesmo, invisível. Tanto faz se você anda apaixonado por sua própria ou por outra pessoa. Não interessa se você é meio perdido, totalmente resolvido ou louco para se perder de vez. O estranho estará ali, com você; enquanto você dorme; assim que você desperta; ao longo das mais doidas aventuras ou enlouquecedoras situações entediantes de sua vida; o estranho estará sempre ali.
Quantas vezes não tivemos a estranha sensação de estar vestindo um corpo que veio no modelo errado. O nariz bem poderia ser mais delicado; um sorriso mais amplo e iluminado cairia tão bem; braços de uma bailarina de flamenco seriam um sonho; a postura e tranquilidade de um mestre budista seriam extremamente bem-vindas; cabelos mais obedientes, quem sabe (!?); que os sinais no rosto fossem apenas lembranças dos momentos em que não conseguimos segurar o riso; que a imagem que temos de nós mesmos fosse menos, bem menos importante.
Passamos uma eternidade da vida perdidos em horas de preocupação para exibirmos uma figura mais interessante. Vivemos ansiando pela notoriedade, seja ela passageira, breve ou meteórica. O sucesso funciona em nossas veias qual uma droga poderosa de prazer; o coração tremelica, a pele arrepia; e por alguns instantes, ainda que tão ligeiros, parecemos ser tão adequados, tão merecedores da atenção do outro. O outro. Ahhhhh essa pessoa que tem a sorte de viver fora de nós; de olhar por outro ângulo; de tecer sobre o que somos as mais criativas versões de nós mesmos. O outro nos interessa tanto, mas tanto, que somos capazes de vender, rifar, ou simplesmente doar a nossa alma para qualquer gênio da lâmpada que nos garanta o seu afeto.
Criaturas estranhas que somos. Cortamos e colorimos os pelos da cabeça em diferentes formatos e cores; pintamos as unhas das mãos e dos pés nas mais bizarras tonalidades; brincamos de pintar os olhos, a boca, as bochechas, e até os cílios, numa busca sem fim por uma imagem mais possível de ser amada, ou cobiçada, ou desejada. E, tudo bem se for apenas uma vaidade humana. Porque também é da nossa natureza, adornar o corpo para receber os inúmeros rituais de passagem tão necessários no transcorrer da vida.
Cuidemos apenas de não ficar demais confortáveis em um espaço-tempo no qual a coisa mais importante seja igualar-se a bonecas perfeitas e adoráveis. Buscar virar uma cópia de modelos universalmente eleitas como belas. E acabar virando outras de nós mesmas, prontas para a exposição no mundo; nunca prontas para entender que a vaidade física não passa de uma armadilha, dispendiosa e sufocante que rouba de nós a liberdade de sair à rua com os cabelos molhados e o rosto original.
O mais irônico em toda essa história é que o que mais nos iguala é exatamente esse medo de ser diferente. E, todos os artifícios que usamos para nos destacar, acaba nos uniformizando. Ficamos inseguros porque temos pavor que o outro descubra nossos pontos de fraqueza. Secretamente julgamos o outro, sua aparência, comportamento ou conduta, imbuídos de um desejo inconfesso de que nossas falhas passem desapercebidas.
Bem que podíamos parar de correr atrás do nosso próprio rabo, feito filhotinhos perdidos e começar a tirar as cascas de soberba, que tão habilmente utilizamos para disfarçar nossa ridícula falta de jeito para nos aceitar. Que maravilha seria, andar por aí livre do peso do incômodo de se achar inadequado, fora da curva ou do padrão. Guardar na memória afetiva imagens de nós que nenhuma câmera fotográfica é capaz de captar. Sorrir por nada; olhar-se sem pudor; mostrar-se sem reserva; parar de medir os gestos e as poses; e, finalmente descobrir que é uma delícia ver a beleza indiscutível que mora nas nossas adoráveis e inegáveis diferenças.