Às vezes não é a vida que tem que ficar mais fácil, e sim você que tem que ficar mais forte.

Ontem me submeti a uma cirurgia. Enquanto minha maca era empurrada rumo ao centro cirúrgico, o enfermeiro me perguntou: “Está com medo?” e ao responder “um pouco”, ele completou: “Fica tranquila, dará tudo certo!”. Sorri encabulada, e pensei na situação que eu vivia naquele momento. Eu, que costumo aflorar poesia e delicadeza, tinha que assumir uma postura de rigidez e fortaleza. Assim é a vida. Há momentos em que seremos sorrisos, sensibilidade e suavidade, enquanto outras situações nos conduzirão a uma postura de rigidez, frieza, força e equilíbrio.

O cinema está repleto de situações assim, mas me recordo particularmente de um filme que assisti recentemente no Netflix: “Brooklyn”. O filme, baseado no romance do escritor contemporâneo Colm Tóibín, conta a história de uma imigrante irlandesa que, em 1935, deixa seu país para viver em Nova York. Quando ela desce do navio e se encaminha para inspeção, se recorda das palavras de uma conterrânea mais experiente: “Fique ereta. Engraxe seus sapatos. E não tussa de forma alguma. Não seja rude ou insistente, mas não pareça nervosa demais. Pense como uma americana. Tem que saber para onde vai…”

Tentar romantizar algumas situações ou nos deixar sensibilizar demais por elas não nos ajudam naqueles momentos em que temos que fechar ciclos, romper antigos modelos, tomar uma estrada diferente, assumir um outro cargo, vencer uma saudade ou nos submeter a algo novo, que causa medo e insegurança.

De vez em quando temos que fincar os pés com bastante força na existência e encarar nossos medos com prontidão e coragem, sem muito mimimi , nostalgia ou emotividade. Porque se a gente sucumbe, a gente não progride. Se a gente se dobra, a gente não vence. Se a gente deixa a emoção dominar, a gente desequilibra. Se a gente recua, a vida avança e nos deixa pra trás.

Às vezes não é a vida que tem que ficar mais fácil, e sim você que tem que ficar mais forte. Pois remédio amargo todo mundo tem que beber, mas não é agindo com autopiedade, fazendo drama ou se comovendo além da conta que você irá minimizar os danos. Talvez você tenha que entender que nem todo dia você conseguirá ser sorrisos e delicadeza. Alguns dias pedem que você seja rigidez e fortaleza.

Penso nas inúmeras mães que tiveram que guardar seu pranto no bolso para conseguirem colocar seus filhos em um ônibus ou avião e darem força para que fossem felizes longe delas. Nessas horas não é possível manter o sentimentalismo, a delicadeza e a saudade à tona ao mesmo tempo em que os empurra porta afora. Nesses momentos é preciso fazer o que tem que ser feito, e ponto final. E mesmo que o pranto venha em seguida, longe dos olhos deles, será esse estímulo seguro que permitirá o passo seguinte, e não o lamento choroso. Porque emoções à flor da pele e lágrimas nem sempre são ingredientes bem vindos, e podem tornar as coisas ainda mais difíceis quando se trata de amadurecimento, recomeços e “fazer o que tem que ser feito”.

Às vezes é preciso desligar a chave da emoção para que possamos enfrentar a vida e suas imperfeições. Nem todo dia será um dia bom, e aprender a lidar com isso, sem ressentimentos ou vitimizações, mas arregaçando as mangas e agindo com coragem e determinação, faz com que os piores dias não definam nossa vida, mas sejam o reflexo daquilo que nos fez mais fortes.

Hoje, já em casa, pensei no enfermeiro e em sua carinhosa preocupação. Ele esteve comigo num momento de rigidez e austeridade. E embora eu não pudesse me deixar levar pela emoção, ele conseguiu ser leve e gentil num momento tão delicado. Éramos completos estranhos um para o outro, e talvez isso facilitasse as coisas para mim. Sendo assim, só posso agradecer à vida e suas agradáveis surpresas, pois a doçura não existe somente para nos lembrar o lado doce da vida, mas também para amenizar o que de amargo nos aguarda…

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.