Conúbio, desposório, conjúgio, juntar os trapos, dividir os lençóis, enforcar-se, consórcio ou simplesmente casamento. Os nomes e apelidos são muitos, mas o resumo da missa é o mesmo.
Tudo começa com o amor. Palavra que pretende abarcar ao mesmo tempo céu e terra, mas que por vezes não chega a lugar algum. Ou ainda pior, transforma a vida dos desavisados num verdadeiro inferno.
Uns juram de pé junto que amar de verdade é se doar incondicionalmente e abrir mão de qualquer individualidade em nome de um nós. Outros, defendem que amar é ser livre e deixar livre, no melhor estilo viva e deixe viver. No fim, pouco importa quem está com a razão.
Quando digo fim, me refiro ao temível e chorado término, com suas infinitas dores, lamúrias e queixumes. Infinitas pelo menos até a próxima paixão, os próximos sonhos e planos de casa com varanda e cercas brancas em quintal largo com o novo ou nova pretendente.
De acordo com a lógica social ainda vigente, com o amor geralmente vem o casório. Intrincado mecanismo de moer vontades, desejos, sonhos e esperanças. Não importa cor, credo ou classe social.
No casamento, a aposta é alta e as garantias são poucas. Negócio que só dá jogo para quem nasceu sem vocação para curioso, já que o matrimônio é se compromissar com um Deus que não responde à perguntas. Ou você vai com fé, ou melhor ficar onde está. E mesmo a maior das devoções não garante sucesso na empreitada.
A vida a dois é terreno pantanoso. Amizades traiçoeiras, silêncios oportunos, convenções e sacrifício. São muitos os perigos do convívio cotidiano. Posso quase apostar que muitos de vocês, quando estão frente de amigos ou desconhecidos, falastrões, detalhistas e cheios de picardia.
No entanto, na hora do vamos ver, da lida diária com os parceiros que a vida lhes deu, beiram a covardia. Acham que já sabem tudo um do outro e que nada há para ser dito. Como consequência disso, o carinho e o afeto vão sendo lentamente sufocados pelo abraço do orgulho e do medo.
A ideia de que dentro da pessoa que amamos existe aquilo que Fernando Pessoa chamou de “eu profundo” pode incomodar. É que ela arrasa com a presunção de que conhecemos absolutamente tudo a respeito de quem aceitamos dividir uma vida. Afinal, é próprio dos casais apaixonados o gosto por alardear aos quatro ventos que conhecem seus companheiros de cabo a rabo.
Enganam-se mutuamente, mesmo sem querer. Não é incomum que, de quando em vez, desafiem outros casais para saber quem conhece melhor a companhia que têm. Estes geralmente não sabem perder.
Para o recém-casado, felicidade é a palavra de ordem. Nela se apoiam os noivos quando questionados da razão do compromisso. É um júbilo só, o encontro da felicidade em forma de gente. Mas quase nada resiste aos caprichos do tempo e da convivência. Nem mesmo aquilo que preguiçosamente denominamos felicidade.
Em “As Afinidades Eletivas”, Goethe, como quem não quer nada, lançou no ar a ideia de que seria ideal que o casamento tivesse o tempo pré-estabelecido de 5 anos, durante o qual o casal seria impelido a prestar maior atenção aos prazeres, aos disparates da vida a dois na medida em que o tempo avança. “Pelo menos dois, três anos transcorreriam de modo aprazível”, concluiu.
A ideia não é de todo mal, mas nenhum figurão da lei se habilitou a matar no peito o passe feito pelo velho e safo escritor alemão. Talvez Goethe tenha encontrado a mulher de verdade, aquela que, segundo Sándor Márai, está “sempre viva em algum lugar”.
Isso tudo soa muito bonito num primeiro instante, mas nos leva a uma terrível constatação: enquanto a pessoa de verdade não chega, partilhamos a vida com o amor da vida de outra pessoa. Quem ou o quê seria então capaz de apontar quem é a mulher e/ou o homem de verdade de cada um? O amor, por si só, seria suficiente para lidar com tão escabrosa questão?
Enquanto quebramos a cabeça para saber se existe de fato o homem ou a mulher de verdade, a vida marcha com a pressa de sempre, indisposta a parar ou diminuir a velocidade.
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