Está fora de moda a frase muito conhecida : “criança não vem com manual de instrução”. Ela era utilizada pelas nossas mães e avós em momentos de dúvidas sobre como agir com os filhos em determinadas situações. E antigamente, nesses momentos de angústia, a saída era perguntar para mães e pais mais experientes, e tentar compreender a criança e a problemática apresentada por ela.
Atualmente, em momentos de dúvidas, mães e pais recorrem ao Google para saber como agir. Nesse site de busca tem milhares de informações sobre qualquer assunto, sejam temas imaginados ou mesmo nunca pensados por você, mas qualquer informação lá está. Entre os assuntos relacionados aos filhos há informações sobre o cuidado, alimentação, educação, desenvolvimento, afetividade, entre milhares de outros temas.
Recebo muitos pais no consultório que procuram psicoterapia para seus filhos e garanto que 99% destes, antes de agendarem atendimento comigo, buscaram ajuda no Gloogle.
Que fique bem claro que não sou contra a busca de informações, ao contrário, acho valioso que os pais busquem compreender o que está acontecendo com seus filhos, e que façam pesquisas em sites confiáveis e responsáveis por transmitir informações fidedignas.
Entretanto, tenho observado que, quanto mais informações que os pais adquirem, menos espaço há para o contato com a criança, menos disponibilidade interna para se aproximar das emoções e dificuldades que o filho apresenta.
E não julgo os pais por isso, mas penso que isso faz parte da nossa triste época. Temos muitas informações sobre tudo, pressa para resolver os problemas, mas não temos tempo de fazer um curso bacana. Falamos o tempo todo com os amigos pelo whatsapp e talvez por isso não conseguimos encontrá-los pessoalmente. Mandamos “bom dia” diariamente para nossos familiares via aplicativos, mas aquele abraço não conseguimos dar. Eu poderia elencar dezenas de outros exemplos, mas o que quero dizer é que com a internet, embora possamos saber sobre tudo, encurtamos nosso tempo,e estamos nos afastando das pessoas, do vínculo e das coisas que nos deixam mais humanos. Isso acontece com todos, inclusive com os pais.
Dessa forma, recebo pais que são verdadeiros compêndios ambulantes de psicologia/psiquiatria infantil, mas que não conseguiram entrar em contato com as emoções sentidas por eles próprios diante dos sintomas do filho e, tampouco, se aproximam de forma eficaz da criança que está doente emocionalmente.
Hoje, a criança vem com manual de instrução, está tudo no Google: amamentação, introdução da alimentação sólida, desfralde, como parar com as birras, adaptação no berçário e escola, enfim, tudo está no site de busca. Mas talvez o choro excessivo, por exemplo, queira dizer aos pais que o filho não está lidando bem com algumas emoções.
Muitas vezes o choro da criança na porta da escola, pode indicar insegurança que os pais não a busquem de volta no final do período das aulas.
Possivelmente, a birra exacerbada seja para expressar a raiva por algo que ainda não compreendeu.
A dificuldade do desfralde pode ser uma forma de tentar controlar os pais, que estão sempre ocupados com seus trabalhos.
Talvez abraços e beijos, chamego, o colo de pai/mãe ou um passeio traga informações mais importantes do que um site de busca
A internet, que apresenta manuais de instruções de como lidar/educar o(s) filho(s), tem a função de informar, mas não deve atravessar os instintos, não pode engessar a aprendizagem de como ser uma mãe/pai melhor para aquele filho, não pode ser capaz de anestesiar a conexão entre pais e filhos.
Os manuais das crianças podem sempre ser consultados, mas só vão funcionar se o instinto e o amor trabalharem juntos nesse processo de compreensão e vinculação melhor entre filhos e mães/pais.
Sinceramente? Acho que esse é o maior segredo que faz tudo funcionar.
Imagem de capa: Joana Lopes/shutterstock
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