Há poucos anos estava numa aula de inglês e houve um momento hilário. O tema era rotina diária e cada um deveria mostrar em slides como costumava ser seu dia a dia. Um colega de classe, conhecido por seu bom humor, colocou na primeira projeção uma foto dele ainda na cama, com a cara abarrotada pela noite de sono e olhando o celular. Segundo ele, aquela era a sua primeira ação do dia: conferir as redes sociais. Aquele humor atingiu a classe pelo exagero. Além da carinha engraçada e digna de um clown, a situação pareceu de um extremo tal e por isso mesmo foi risível.
Passados poucos anos, vejo-me em alguns dias agindo assim, quem diria. Percebem como às vezes entramos no piloto automático? Apesar de observar exageros e considerar que há comportamentos compulsivos nos outros, você pode se perceber com as mesmas atitudes, se não tomar cuidado. Apesar de não julgar saudável acessos muito constantes às redes, entro no moinho também. A roda mói todo mundo. Mas será que é mesmo assim? Somos tão manipuláveis?
Vivi infância e adolescência fora dessa vida digital, então sei que uma vida analógica é possível. A expansão da internet e das redes sociais é uma realidade da minha vida adulta. Lembro-me que antes o tempo parecia caminhar, correr mais devagar, no máximo trotar. Vivi muito bem sem tais recursos até que eles chegaram e agregaram. Modernizaram e aceleraram processos de comunicação. Academicamente foi uma revolução, pois deixou-se de passar horas em pesquisas mais robustas – como em bibliotecas, por exemplo, para pesquisar rapidamente em meios virtuais.
Atualmente é possível encontrar jovens da geração Z (pessoas que nasceram na década de 90 e hoje têm vinte e poucos anos, portanto nascidos na era da tecnologia digital) que nunca tenham visitado uma biblioteca sequer, além da que fica na escola ou na faculdade deles, e que só conheceram por protocolo disciplinar. Uma pena. Sinto desconforto com isso. Uma forma de acessar o conhecimento não deveria suplantar outra, especialmente quando trata-se de um local que milenarmente serve à difusão do conhecimento humano em suas diversas áreas, como é a biblioteca.
É contra a saúde mental humana e chega a ser uma invasão a enxurrada de informações que recebemos desde a hora em que acordamos. Contudo a realidade é essa e não podemos fazer nada a respeito. Não podemos voltar o tempo. Podemos fazer conosco. Precisamos diminuir o ritmo dessas leituras “informativas” e resistir a essas imposições culturais que levam ao excesso.
Dentro dessa recente realidade há os mais jovens que trabalham exclusivamente com redes sociais, bem como profissionais mais velhos que precisaram se adequar aos novos protocolos profissionais – como jornalistas, por exemplo. Alcançar o equilíbrio entre o necessário, a diversão e não adoecer é que são elas.
Várias pesquisas recentes já demonstraram a ligação direta do descontrolável acesso diário à internet e às redes sociais com a ansiedade, o alto grau de insatisfação pessoal e a tristeza crônica, ou seja, a depressão. Alguns apanhados demonstraram que a média diária de acessos chega a mais de cem vezes. Assombroso. A atitude automática pode levar a compulsão, e certamente interromper as atividades do dia por mais de cem vezes não está dentro do razoável.
Quem costuma ler de psicólogos e psiquiatras a grandes gurus da autoajuda já cansou de ouvir o mesmo conselho: diminuir os acessos à internet e às redes sociais durante o dia. Alguns pedem para cortar totalmente nas últimas horas que antecedem o sono, pela influência também comprovada em casos de insônia.
Comparo a internet e as redes sociais às vacinas, que biologicamente atuam para a saúde do corpo, ou seja, positivamente. Elas contêm uma dose comedida da doença que pretendem combater, de maneira que a partir da injeção o organismo humano deverá sozinho trabalhar criando defesas contra aquele ínfimo mal introjetado, até que ficará imunizado contra ele. Se a doença estiver em grande quantidade no organismo não é vacina, é doença. É a dosagem que define.
Há outras peculiaridades no ambiente virtual que levam-nos a pensar se ele é de fato um simulacro confiável de nossa realidade. Nas redes sociais, vivemos a realidade da amizade virtual. Nesses casos, em certas situações é como se amigos virtuais deslizassem entre os dedos das mãos. Nós vemos, mas não os vemos. Escutamos, mas não os escutamos. Felicitamos publicamente pelo aniversário, mas sem a ajuda do calendário virtual sequer saberíamos do natalício da pessoa. Estamos na timeline deles, mas não estamos juntos. Agimos tal qual manada nas redes sociais. Às vezes pensamos, às vezes não. Curtimos, compartilhamos, desabafamos, cutucamos, brigamos enfim. Até tentamos conversar, mas na real não conversamos, pois o ambiente é feito para poucos diálogos e afetos. Até pessoas amistosas tornam-se hostis ao ler pontos de vista divergentes dos seus.
Durante a Feira Literária de Natal/RN, ocorrida em dezembro de 2016, a escritora e artista plástica Marina Colassanti disse que optou por não ter redes sociais porque não gosta de comunicações dispersas e superficiais. A identificação foi automática. Longe de comparar-me intelectualmente a ela, mas fazer a comparação com os sentimentos foi inevitável. Apesar de ter redes sociais e até ser participativa delas, sinto a fugacidade da coisa.
Amizades desde sempre ficam abaladas ou até acabam se decidimos desrespeitar e ofender o outro. Há algo de frágil nessa fraternidade virtual. Talvez tivéssemos mais cuidados com o outro em outro espaço, talvez não. Parece que quando o contato inicia na internet, fica uma espécie de laço mal amarrado, e talvez por isso não se sinta a necessidade de fazer os mesmos sacrifícios usuais do convívio pessoal para o bom relacionamento. Sei que também existem as exceções, mas elas não são numéricas. As amizades costumam “evoluir” para contatos físicos e mais íntimos.
Sim, cultivar amizades e outras relações não é algo fácil, mas fazer isso sem constância, tempo e presença real é mais ainda. Acho até necessário ver importância nesse laço invisível, pois do contrário significaria pensar que só os próximos fisicamente poderiam ter proximidade. É bom, contudo, que os laços não se restrinjam a isso.
Você já percebeu que há alguns valores ou modelos de comunicação virtuais que, “sem querer” e sem nos dar conta por estarmos no piloto automático, vão invadindo nossa vida real? Se não, tente estar mais sensível a isso para NÃO SER MANIPULADO. É sempre bom perguntar: Estamos mais exasperados e impacientes com as outras pessoas depois da internet? Nossa relação com o meio virtual é saudável? Estamos incutindo “verdades” na cabeça que não passam de modismos ou retórica oca de pessoas mal-intencionadas? As redes sociais interferem negativamente no nosso ritmo ou naquilo em que pautamos nossa vida, nossos relacionamentos? Estamos mais superficiais devido a tantas aparentes facilidades? É sempre bom refletir para evoluir.
No mais, é aproveitar com sabedoria, equilíbrio e menos automatismos as redes sociais, pois a internet é uma forma quase miraculosa de comunicação e de divulgação do conhecimento. E se achar que essa balança do equilíbrio é pesada demais, está certo. Ela é mesmo. Que você então observe seu corpo e cuide bem dele. Que compreenda que a mente é o centro de tudo, que deve ser mais respeitada e não assaltada a todo momento. Que pensamentos devem ser tão preservados quanto a aparência física. Que busque ajuda profissional se o desequilíbrio já está lá. Que o autoconhecimento seja uma busca constante, e que possa contribuir para a harmonia de uma mente turbulenta, ajudando a reconhecer estados de ansiedade ou de depressão. Que você recupere o prazer de escutar as músicas das quais sempre gostou, e de conhecer outras novas. Que descubra como dançar é sonhar acordado, especialmente se com quem você ama.
E se achar que não dá pra ser feliz sem participar com voracidade do mundo midiático, do frenetismo da internet e dos modismos de consumo, que você entenda melhor as várias armadilhas que isso pode nos trazer. Que não perca a esperança por causa da política. Que não acredite no jornalismo que só divulga tragédias e más notícias, pois esse é um falso simulacro da realidade – o mundo está cheio de gente boa e de acontecimentos extraordinários por toda parte do planeta, mas isso não é propositalmente mostrado. Que viaje em bons livros e bons filmes. Que não compre o que a publicidade diz que é bacana ou necessário, pois a felicidade está mais ligada ao ser e ao sentir do que ao ter. Que saiba que sua aparência e seu temperamento não precisam ser semelhantes aos dos protagonistas das novelas ou dos participantes dos reality shows – e viva a autenticidade! Que encante-se com as coisas simples que a vida nos oferece. Que tente enxergar o próximo de fato e perceba o quanto ele é tão limitado e complexo quanto você. Que cultive a espiritualidade, com ou sem religião – e que consiga viver com tranquilidade e ética, se for a sua vontade não ter nenhuma fé transcendente. Que não troque qualquer bate-papo virtual por um chamego com quem está ao seu lado constantemente. Que encare a vida com a maior autocompaixão e afeto possíveis… Assim, naturalmente o tempo será melhor equilibrado ou menos comandado pelos outros, com suas vozes invisíveis e enganosamente redentoras. Be free!
Imagem de capa: TierneyMJ/shutterstock