Ontem fui assistir ao filme “Aves de Rapina – Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa”. Achei interessante terem abordado no título a emancipação da protagonista, algo que efetivamente não acontece no filme.
Ao sentar na poltrona do cinema, fiquei imaginando qual seria o novo viés da personagem que se comportou até então como o Coringa, carregando consigo os mesmos trejeitos e ideias mirabolantes.
Logo nas primeiras cenas Arlequina parece estar arrasada com o fim de seu relacionamento com o palhaço vilão. A personagem que se comportou no cinema como uma espécie de psicopata até então, de repetente, com a direção de Cathy Yan passa a ter rompantes de sensibilidade. Não são poucas as cenas nas quais ela parece achar importante ter por perto pessoas que se importem com ela.
Yan nitidamente tenta humanizar Arlequina, mas seu comportamento confuso, ora parecendo infantil e ingênua, ora perversa e egoísta confunde o público tão heterogêneo quanto o humor dela. Homens, mulheres e adolescentes estavam na sala, esperando algo que efetivamente não aconteceu: a transformação de uma personagem, que em suma começa e termina o filme como a velha Arlequina, ainda tremendamente repleta da essência do Coringa.
Antes de se relacionar com o seu “pudinzinho”, Arlequina é a Dra. Harleen Frances Quinzel, uma psiquiatra renomada que por amor deixa tudo para trás. O interessante é que mesmo saindo de perto do ex a antiga “Dra. Harleen” não dá as caras. A direção tenta justificar essa ausência conferindo à personagem pitadas de um entendimento psicológico raso e superficial que não se encaixa em nada com a personalidade de alguém que um dia foi uma grande psiquiatra.
Arlequina frequenta os mesmos lugares aos quais ia com o “pudinzinho”, vivendo em um tipo de negação e para se convencer de que a relação realmente acabou explode a fábrica química onde se conheceram. Arlequina rompeu com o Coringa ou tentou chamar a atenção dele como uma criança que faz birra?
Assim como um discípulo sem mestre a protagonista gira em círculos sem conseguir se encontrar, dando shows de insensatez embalados por lutas purpurinadas. O filme esbanja cenas de luta e violência, especialmente contra homens, como se a diretora tivesse em seu íntimo a conturbada ideia de trazer para as telas um pouco da personagem Beatrix Kiddo, de Kill Bill, essa sim verdadeiramente emancipada, no entanto o roteiro pouco trabalhado vai cansando o público a cada novo golpe.
Outras mulheres – a policial, a cantora e a caçadora – se unem à Arlequina para, dentre outras coisas, garantir a segurança da menina que sem querer roubou um diamante criptografado. Nesse interim a direção aposta em cenas nas quais Arlequina dança vestida como Marilyn Monroe cantando uma paródia de “Diamonds Are A Girl’s Best Friend”. Depois de tudo isso a cabeça do público já está a girar e talvez por isso tenham esquecido de tapar diversos furos do roteiro que incluem superpoderes que aparecem do nada, como no caso da cantora. A narrativa então é rapidamente resumida, como se não tivessem tido tempo de contar o que precisaria ser contado e o filme termina deixando na boca um gosto nada doce.
Na tela Arlequina luta para aceitar o fim, mas acaba perdendo a luta contra si mesma. Apesar de mais humanizada que nos últimos filmes, a personagem ainda parece, e muito, a sombra do Coringa. Infelizmente Yan perdeu a mão ao traçar o perfil psicológico da vilã, atirando com purpurina para todos os lados, tornando difícil para a protagonista cativar até mesmo os mais entusiasmados.
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Acompanhe a autora Vanelli Doratioto em sua página Alcova Moderna.
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