Por Fabrício Carpinejar
Você esqueceu o tamanho de sua vida? Largue o Facebook e sua linha cronológica. Apague o celular e o laptop, desligue-se da virtualidade e das imagens editadas e com filtro.
Precisa do brilho da poeira voando, da companhia dos ácaros e das traças. A alergia é prova do retorno ao passado. O espirro é o nosso túnel do tempo.
Vá até a garagem ou o quartinho ou o alto de um armário ou debaixo de sua cama, onde esconde as tralhas de seu passado físico. O passado de papel e de objetos, o passado de fotos, canetas coloridas e medalhas de latão. Tem que enfrentar o trabalho de abrir caixas fechadas, romper a fita adesiva com estilete e lamentar o elástico das pastas estourando.
Mexa nos cadernos da escola, acompanhe a mudança de sua letra, o quanto era caprichada no Ensino Fundamental e ganha contornos de euforia, rebeldia e pressa. Começa emendada e submissa, em seguida vira separada e caixa alta, sem respeitar mais nada, nem pai, nem mãe, muito menos vírgula. Duvido que não se emocione. Soltará uma gargalhada de saudade ao reencontrar o rabisco de algum colega no forro da capa dura. Como existia valor naqueles recados de amizade eterna vencendo o nosso tédio nos dois períodos de matemática na segunda-feira de manhã! Ninguém merecia despertar fazendo cálculos. Lembrará que já foi muito amado. Lembrará as provas difíceis que enfrentou afixando fórmulas pelas paredes do quarto. Achará guardanapos de bares, figurinhas avulsas de álbuns, letras de canções em inglês traduzidas grosseiramente e sinopses de filmes. Observará o mundo em miniatura com atenção extrema, respirando devagar, buscando reconstituir o tempo de suas escolhas e o ineditismo de suas descobertas. Vários rostos dedilhados serão novamente atuais. Concluirá, estranhamente, que nenhuma lembrança morre na data que aconteceu. Emocionado, quase chorando, não se contém de vergonha e se repreende em voz alta: – Era o que faltava, virar poeta depois de velho.
Do fundo das caixinhas de CDs e fitas cassetes, puxará um envelope perfumado com uma carta de amor. Escrita por namorada da escola, no instante em que ela rompe o namoro de dois anos.
– Por que você conservou esta tristeza?, – pergunta a si mesmo. E logo responde: – Para rir dos próprios dramas, só pode ser.
Você jurava que morreria, que se mataria, que nunca amaria de novo naquela época. E sobreviveu e recuperou o coração e amou tantas e tantas outras vezes.
É bom testemunhar as suas promessas sendo quebradas, as suas opiniões mudando, os gostos se transformando radicalmente, que nada é definitivo e tudo é eterno.
Não perceberá que está há mais de quatro horas sentado no chão e revirando coisas antigas.
Não viu o tempo passar. A gente nunca vê o tempo passar. Mas é ele que nos olha e nos guarda.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 21/07/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°18233
Imagem de capa: Photographee.eu/shutterstock
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