Filho não traz felicidade, nem paz interior e nem realização. Pelo contrário, filho traz muita preocupação e as preocupações nascem antes deles próprios. Vai ser menino ou menina? Será que ele(a) é perfeito(a)? Se eu morrer quem vai cuidar dele(a)? São infinitas as preocupações, os questionamentos e medos, quem vêm antes e depois do nascimento dos filhos.
Filhos não são obrigatoriamente bons, porque somos bons, nem mal porque somos mal. Madre Tereza, Sena e Obama tiveram pais, mas Suzane Von Richthofenr, Osama bin Laden e o maníaco do parque, também tiveram pais, não dá para atribuir aos pais, todas as glorias e desgraças do mundo, realizada por uns ou outros filhos.
Filhos não necessariamente, seguem nossas careiras, ensinamentos ou doutrinas, afinal eles não são como livros de colorir, onde colocamos nossas cores favoritas. Filhos têm vontade própria.
Falo por mim. Uma parte de mim começou a morrer no dia que adotei meu filho, pelo menos a parte mundana e solitária.
Primeiro morreu o tal amor próprio, pois aprendi a amá-lo mais que a mim mesmo. A vaidade caiu por terra, hoje já não importa mais, se surge uma barriguinha ou as marcas indeléveis do tempo, basta que ele esteja saudável, sorrindo e crescendo dentro do padrão esperado e, afinal, filho é sempre a pessoa mais linda do mundo.
Então, pra que estar belo, se sempre ele estará mais belo do que eu? Dou-me por satisfeito, a competição pela beleza, se encerrou para mim, meu filho é mais bonito que eu. Morreu o “eu mereço” para aquela compra fora de hora, aquela viagem não planejada. Hoje necessito de menos mimos e compensações ou quase nada, meu filho, sim, esse merece a melhor alimentação, um bom plano de saúde, estudar na melhor escola que eu possa pagar, depois fazer intercâmbio, conhecer a Disney e o mundo.
E assim que possível, garantir seu futuro financeiro.
Filho não traz felicidade para quem não consegue ser feliz por conta própria, mas, garanto, filho traz super poderes. Não conheço ninguém que tenha recebido aumento de salário, bônus ou abono salarial, só porque teve filho, mas o dinheiro rende milagrosamente e eu aprendi, na pratica, que onde se come um, sim é possível comerem dois, três, ou quatro (meu filho e suas babás), como o mesmo salário que eu tinha antes dele.
E mais, que esse salário tem o dever de virar moradia, transporte, saúde, segurança, brinquedos, diversão e muito mais.
Desenvolvi uma forma tão especial de conectar-me a ele, que isso deixou todas as redes sociais que já experimentei desinteressantes e desatualizadas.
Filho não traz paz interior para quem não fez as pazes com seu passado e o mundo, mas me fez aprender a amar mais, admirar mais e até perdoar o que eu julgava falhas nos seus pais.
Meu filho me trouxe uma segunda chance de reescrever a minha própria história, preencher as lacunas e marchar a passo largos rumo a paz tão sonhada.
Filho não traz outras realizações, além do desejo de ser pai ou mãe, pois, afinal, ninguém tem a obrigação de realizar por nós, aquilo que é do nosso dever, mas me trouxe um sentimento igualmente compensador, a incrível sensação de dever cumprido. Todos os dias, invariavelmente, independente de como o meu dia começou ou terminou, quando o sono da noite chega até os olhinhos do filho Saulo e o vejo dormindo, seguro, saudável e em paz, tenho a sensação que cumpri honrosamente o papel a que me foi atribuído, através da paternidade escolhida, ser guardião do bem maior que Deus nos deu: a vida.
Alemberg José de Santana, médico com pós-graduação em Oftalmologia e Psiquiatria, gay e militante gay.
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