Beijos são ícones de linguagem corporal. Por meio deles nos expressamos nessa fala sem palavras que diz muito mais de nós do que horas de tagarelice.
Beijos podem ser profundos, ligeiros, tímidos, ousados, dissimulados, explícitos. Ninguém beija por beijar, essa é que é a verdade. Beija-se para dar ao outro uma pista de nossas intenções, beija-se para descobrir quais são as intenções do outro em relação a nós.
No início de relação, os beijos vão ganhando desenhos geográficos cada vez mais intrincados em direção ao nosso interior, físico, psíquico e imaginário.
Os beijos poderiam ser os sinais de pontuação usados com maestria para redigir nossas histórias de amor. Às vezes são vírgulas; outras vezes, reticências; ora, uma sequência de pontos de exclamação; ora, uma enorme interrogação; e, quem diria, um beijo pode ser um redondo e definitivo ponto final.
Quem é que não tem em sua memória de coleções afetivas aquelas imagens dos beijos que fazem a gente ficar, insistir, investir… aquele beijo dado na curva do sorriso, querendo alcançar a boca… aquele beijo dado na linha do pescoço com o ombro que faz a alma arrepiar… aquele beijo dado sem demora, como se as horas pudessem ser ignoradas… beijos na palma da mão, indicando que ali há mais que um encontro acidental de corpos que se desejam.
Os beijos são fotografia em preto e branco, obras de arte das imagens mentais que tecemos ao longo de nossas vivências emocionais. Não há beijos iguais, nunca! Nem entre as mesmas pessoas, dados nas mesmas horas.
Beijos de bom dia, com o gosto morno da cama partilhada, beijos no decorrer das horas, dados de forma displicente – só porque já se adquiriu o hábito de beijar, beijos aflitos e intensos que antecedem os encontros mais íntimos da boca com a outra boca, da boca com o outro corpo, do corpo com o outro corpo. Cada beijo encerra uma coisa que não tem como ser dita de outra forma.
A intimidade tem esse poder bonito e único de nos fazer ler no outro, suas intenções, suas reservas, seus recuos e passos além. Ficamos íntimos com a convivência, com o tempo de partilha da vida; sonhos partilhados, projetos partilhados, vitórias e derrotas partilhadas.
Intimidade é presente raro. Não se tem com toda a gente. Não há que se confundir encontros íntimos com intimidade; pode-se mergulhar na boca e no corpo inteiro do outro num encontro inesperado, numa noite qualquer sem nunca chegar a ser minimamente íntimo.
Beijos intensos, urgentes, quentes… podem ser trocados com qualquer um. Mas o beijo daqueles que se dispuseram a dar um passo além da explosão dos desejos que envolvem toda a novidade de um novo amor… ahhhh… esse beijo não é apenas verso de um poema… é o poema inteiro, escrito de mãos dadas.
E o poema há de se fundir a outro, e mais outro… há de se emendar a um conto daqueles que valem mais de mil e uma noites. E nesse poema há de ter tantos beijos, quantas forem as histórias dignas de serem lembradas. E no meio desses tantos haverá lugar para os beijos mais preciosos.
É só quando se tem uma história de muitos capítulos que se descobre que um beijo na testa, dado com toda a comunhão e bênção de todo o resto do corpo, pode ser mais íntimo do que um beijo tórrido e molhado que envolve bocas, línguas e o fogo do desejo.
Engana-se quem olha de longe e interpreta em beijos inocentes o fim de um amor. Pode-se beijar na boca sem amor, pode-se beijar qualquer parte do corpo sem amor.
Não é onde se beija que revela o limite de uma história ou a sua transformação. O que ilumina ou rouba a luz de um afeto é justamente a falta dele. Um casal que é capaz de oferecer ao outro o afago de almas e o acolhimento por meio de um beijo de amor, encontrou o caminho para conversar em silêncio.
E nesse silêncio cabem todos os beijos da vida; inclusive, um verdadeiro, amoroso e revelador beijo na testa… um beijo que diz “Estou aqui, em qualquer circunstância! E hei de estar inteiro sempre, para envolver e proteger você de todo o mal desse mundo!”.
Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “Querido John“.
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