A sensação é de domínio da situação, um eufórico bem-estar e uma inquestionável certeza de que se é capaz de fazer mil coisas ao mesmo tempo, enquanto se corteja outras mil para desejar. As ideias afluem como água solta numa correnteza. Situações imprevistas são aceitas como excitantes desafios. Viver em suspense e correndo riscos, na verdade traz uma indescritível sensação de prazer, como se a vida fosse uma daquelas caixas de presente surpresa esperando apenas para ser desembrulhada rasgando todo o pacote num único puxão.
Quando estão em episódios de Hipomania, as pessoas sentem-se energizadas, dinâmicas, e até felizes, posto que as dificuldades parecem ser uma ilusão e o estado de humor é de positividade e otimismo sem limites. O fenômeno é facilmente explicado, pois o estado hipomaníaco aparece associado muitas vezes ao sucesso nos negócios, bom desempenho nos estudos, e alta produtividade. Ora, quem é que suspeitaria de que algo está errado com suas emoções num período da vida em que tudo parece dar certo, graças às suas indiscutíveis habilidades sociais, profissionais e cognitivas, além da capacidade de administrar uma porção de tarefas ao mesmo tempo?
A questão é que a linha que separa o estado de Hipomania da Mania é perigosamente frágil. E, permanecer hipomaníaco durante períodos prolongados pode provocar desgastes físicos e emocionais tão importantes que a pessoa acaba perdendo o controle. Neste caso, movido pela falsa impressão de poder inquestionável e ideias grandiosas, muitos indivíduos acabam entrando em estados maníacos que podem devastar suas vidas.
Mais agressivos, os episódios de Mania levam a pessoa a um estado de agitação mental que a impede de exercer julgamentos acertados e confiáveis. Começam a aparecer sintomas de irritação; diminuição cada vez mais acentuada das horas reservadas ao descanso e ao sono; comportamentos impulsivos que levam a pessoa a arriscar suas carreiras com decisões impensadas; prejuízo ou rompimento de relacionamentos por motivos tolos; comportamentos de risco em relação ao uso de substâncias químicas ou álcool; envolvimento em relacionamentos sexuais, desconsiderando cuidados com a saúde e a segurança; gastos exagerados e endividamentos.
Tanto a Mania, quanto a Hipomania podem ser indícios de Transtorno Afetivo Bipolar, essa doença ainda tão pouco conhecida e, por isso mesmo tão envolvida em mitos e ideias preconcebidas. O diagnóstico da Bipolaridade requer dos profissionais de saúde mental e psíquica um preparo que, infelizmente, não é o que encontramos nos serviços médicos brasileiros, quer sejam públicos ou particulares.
A Bipolaridade é extremamente complexa, e o comportamento eufórico da Hipomania é um de seus disfarces mais perigosos, posto que ninguém há de achar-se doente por estar eufórico; e aqueles que convivem com o hipomaníaco dificilmente suspeitarão de algum desequilíbrio, posto que a pessoa parece esbanjar energia, bom-humor e disposição.
Acontece que a Hipomania é apenas um dos estágios do Transtorno e nem sempre é sintoma categórico da doença. Há quem apresente episódios hipomaníacos isolados, sem ser bipolar. No entanto, há que se dedicar atenção às oscilações de humor, tanto para alegria excessiva quanto para os estados de apatia, tristeza constante, irritação rotineira e depressão.
A depressão costuma ser bastante frequente depois de um episódio importante de Mania. Afinal, quem passou algum tempo acreditando ingenuamente que era indestrutível, incansável e imune às consequências de suas escolhas impulsivas, uma hora vai dar de cara com os resultados das farras consumistas feitas com o cartão de crédito, das aventuras sexuais sem proteção, de meses de privação de sono, de rompimentos ou pedidos de demissão feitos num momento de delírio de poder.
Encontrar o equilíbrio num mundo regido pela competição, pela busca de eficiência máxima e pela necessidade de aparentar viver uma vida sempre perfeita e cheia de conquistas, é uma tarefa das mais desafiadoras. A boa notícia é que embora não haja cura para o Transtorno Afetivo Bipolar, há meios de aprender a conviver com a doença, desde que se conte com um aporte médico adequado que determinará o uso correto de medicamentos estabilizadores de humor e acompanhamento psicológico. O tratamento passa por um diagnóstico cuidadoso e detalhado, baseado na análise do comportamento do paciente nos inúmeros aspectos de sua vida: trabalho, família, cuidados pessoais de saúde, interesses, relacionamentos e postura diante dos desafios e momentos mais estáveis da vida.
O passo mais importante para o início de uma relação possível com a doença é a identificação de traços que possam indicar alterações de humor que acarretem algum tipo de prejuízo à vida. Ao observar que alguém próximo de nós, seja um familiar ou amigo, passou a apresentar um comportamento alterado de agitação excessiva ou letargia, irritabilidade ou prostração, isolamento ou necessidade constante de estar em atividades sociais, atitudes incoerentes à personalidade original, ganho ou perda de peso considerável, dificuldades para dormir ou sono excessivo, alteração na capacidade de concentração ou memória, uma luz de alerta deve ser acionada e devemos buscar uma avaliação médica e psicológica capazes de identificar se o que está ocorrendo é apenas uma fase, ou sintomas de transtorno emocional que precisa de tratamento e acompanhamento profissional.
O fato é que precisamos parar de tratar as doenças psíquicas como se fossem “coisas da nossa cabeça”, como se pudéssemos controlá-las ou ficarmos imunes a elas com um pouco mais de esforço ou boa vontade. Ninguém diz a uma pessoa com Câncer que ela deveria fazer um esforço para diminuir a gravidade da doença, ou que ela deveria distrair-se e procurar ocupar a mente para curar-se. Mas, no caso de doenças como a Depressão, parece que todo mundo é especialista e acredita que é coisa de gente que não tem o que fazer. Não é! Procuremos tratar com humanidade aqueles que sofrem com esses males invisíveis aos olhos alheios, mas absolutamente reais e devastadores às vidas de quem os carrega no peito, na cabeça e na alma.
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