Borboletas Negras, o filme (Eu sou eu e minhas circunstâncias?)

O filme Borboletas Negras, dirigido por Paula von der Oest, retrata a história da poetisa sul-africana Ingrid Jonker, numa interpretação irreparável da atriz holandesa Carice Van Houten. Com os pais separados antes do seu nascimento, Jonker passa o início da sua infância com a mãe, a irmã mais velha e os avós em uma fazenda. Aos dez anos, com a morte da sua mãe, ela e sua irmã Anna vão morar com o pai na Cidade do Cabo. Críticas, não aceitação, intolerância e rejeição paterna vão marcar a vida de Ingrid a partir desse momento.

O relacionamento ríspido com o pai faz com que Ingrid case logo cedo apenas para sair de casa. Logo depois, com o casamento fracassado, Jonker conhece o escritor Jack Pole, por quem se apaixona e passa a morar com ele.

Com o convívio com Jack, Ingrid começa a se relacionar com uma classe de artistas, fortes críticos do regime do apartheid, assunto do qual ela mesmo se identifica, tornando-se mais uma crítica ao governo segregacionista da África do Sul. Posteriormente, ao presenciar a morte de uma criança negra, ela escreve o famoso poema “A criança que foi assassinada pelos soldados de Nyanga”. Poema que se tornou conhecido mundialmente quando Nelson Mandela o leu em seu primeiro discurso como presidente da África do Sul.

Nessa fase a relação da poetisa com o pai, Abraham Jonker, se torna insustentável, tendo em vista que ele, membro do Partido Nacional do Parlamento, defensor ferrenho do Apartheid, e que tinha como função censurar quaisquer publicações contra o regime, não reconhecia o talento literário da filha e a rejeitava publicamente.

No meio de tantos conflitos internos, com uma vida marcada por tragédias, a vida de Ingrid se desalinha de vez, seu relacionamento amoroso com Jack Pole se perde, assim com os posteriores também. Adultério, aborto, carência afetiva extrema, alcoolismo, drogas, internações em hospícios e um diagnóstico de doença psíquica esvaziam aos poucos a mente brilhante da escritora. O final do filme é catártico.

A morte da mãe na infância, a rejeição pública do pai, a solidão, a enorme sensibilidade em confronto com o momento histórico em que vivia e, por fim, o alcoolismo e a própria doença agravada por uma vida trágica, é mostrado de forma crua para que se possa compreender as razões pela qual ela não conseguiu achar um caminho, saudável, que a permitisse conviver com suas dores e culpas.

Apesar da doença de Ingrid, o filme tem um viés que nos faz pensar. O sentimento de culpa, por circunstâncias das quais não fomos protagonistas e, muitas vezes, fomos até vítimas, pode levar a uma crença íntima de que não somos pessoas boas o bastante ou merecedores de uma vida feliz. Ocorre que, não raro, precisamos tornar essa crença em realidade, sabotando as possibilidades de uma vida viável emocionalmente, seja minando as coisas boas ou, simplesmente, aceitando as más e, o pior, nem percebemos que fazemos isso.

O efeito colateral da auto sabotagem é magoar a quem amamos, não avançar com nossos talentos e desistir dos nossos sonhos, pela falsa crença de que não merecemos ser amados, não merecemos sucesso e, por fim, não merecemos ser felizes. O resultado, por óbvio, são novas culpas e mágoas somadas às antigas.

Seria interessante que todos se questionassem por alguns comportamentos negativos e se perguntassem: será que as coisas não funcionam mesmo ou, por muitas vezes, somos nós os próprios vilões de nossas vidas? Somos nós os próprios sabotadores da nossa felicidade?

Bom, como não há existência sem dor, nem isenta de influências negativas, que nos faz desacreditar de nós mesmos, o perdão é um bom começo. Se não conseguimos perdoar o outro, ao menos, podemos nos perdoar pelas nossas fraquezas para seguir em frente, pois somos, sim, merecedores de uma vida plena e feliz.

Então fica a pergunta, estaria o filósofo espanhol José Ortega Y Gasset correto ao afirmar que “eu sou eu e minhas circunstâncias e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”? Vamos todos refletir sobre isso.

Segue também o trailer:

Ana Vasconcelos

Não há limites para a arte, apenas liberdade.

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