Por Luis Gonzaga Fragoso
1. Educação musical. Se o ensino desta disciplina fosse levado a sério pelas escolas, e desde o início, as pessoas hoje talvez falassem menos, e a necessidade de estabelecer comunicação, por meio das mais diversas tecnologias, talvez fosse menos frenética. Tendo em mente a lembrança essencial – de que a música é feita de sons e de pausas –, creio que o silêncio seria hoje mais valorizado.
2. O cancioneiro brasileiro é pródigo em exemplos de casamento perfeito entre melodia e poesia. Mas a beleza particular da música, como forma de arte, é seu alcance universal, que independe da letra para acompanhá-la. Basta ouvir, a título de exemplo, “Palhaço”, de Egberto Gismonti. Ou a “Ária na 4ª Corda”, de Bach.
3. Na primeira audição de um CD de nossa música popular, jamais – ou muito raramente – consigo prestar atenção à letra, por mais que tente. A melodia, os arranjos e o timbre do intérprete é que ganham relevo. Caso um vocalize ou um solo instrumental soe afetado ou excessivo, e não esteja a serviço do conjunto da canção, o ouvido vai acusar, e rejeitar. Em casos extremos, a letra da canção só me emociona depois de inúmeras audições do disco.
4. A frase é de uma amiga, mas descreve o que acontece comigo: “Minha mente é uma espécie de jukebox, que toca o que bem entende, na hora que bem entende. Além de funcionar como um tipo de oráculo”. Descrição perfeita. Por isso presto toda a atenção aos sinais de uma canção que emerge do baú mental, tempos depois de eu a ter escutado ou cantarolado: ela certamente não surgiu à toa.
5. Música e passado afetivo. Criança e pré-adolescente, ouvi muito os Beatles, mas também Elton John e Carpenters. Sou felizardo por ter crescido num meio em que eu absorvia tudo como uma esponja, totalmente alheio a rótulos como “música boa”, “ruim”, “cafona” ou “cult”. Numa fase posterior, a mente tentou se impor, com uma autocrítica severa: “Mas você gosta desta bobagem? Olhe só para esta letra!”. A fase veio, demorou o tempo necessário, e se foi.
6. Música ambiente. Um contrassenso total. Pois, se duas ou mais pessoas estão num lugar, e há a necessidade de uma música de fundo, o recado é claro: a música não é digna de atenção. Se não, para que está tocando? Para preencher um vazio, talvez… As pessoas parecem temer o silêncio, cada vez mais.
7. Música no cinema. Cinco ou dez minutos têm sido o bastante para eu avaliar se um determinado filme me agrada, e o respeito do cineasta pelo espectador. Tenho a curiosa sensação de que as trilhas de cinema são variações disfarçadas de uma única matriz, sobretudo em filmes de ação. Tenho reparado numa espécie de obsessão de não deixar espaço para o silêncio (ideia recorrente neste texto, você já percebeu); fazer com que a música sublinhe cada uma das cenas daquele período de 90 minutos – o que me provoca uma ligeira falta de ar. Como se estivesse lendo Proust ou Saramago, e me visse desesperado, me perguntando: cadê o final desta frase, deste parágrafo?!
8. O canto num grupo vocal. Em situações raras, microssegundos depois de terminada uma frase musical cantada pelo grupo, os harmônicos do acorde final pairam no ar – é quase uma entidade, que se corporifica. Descrevo a cena recorrendo às palavras, mas ciente de que tal descrição é pálida, na comparação com a experiência sensorial.
9. O canto num grupo vocal – um complemento. O ouvinte percebe a harmonia do conjunto quando as vozes do naipe se fundem, quando os diferentes timbres se encaixam; se uma delas se destaca, pelo volume ou potência, é porque algo deu errado. O ouvinte deve percebê-las como se o naipe todo fosse uma só voz. A implicação disso é religiosa, na verdadeira acepção desta palavra. Pois é quando os egos individuais se dissolvem – na ausência dos egos é que surge o amor –, quando uma estrela não tem a necessidade de ofuscar o brilho das demais, quando a (ilusória) separação entre as pessoas desaparece, é então que a beleza plena se manifesta.
Nascido em Sampa, mora numa chácara. Tradutor, músico amador, tem uma espécie de jukebox na mente, que toca o repertório que bem entende.
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