Caçador de Aurora Boreal diz perder noção de espaço e tempo com luzes no céu

“Em certo momento, um monstro verde veio do céu. Parecia que ele iria me abraçar ou me engolir. Eu fiquei com medo. Não tinha para quem perguntar se aquilo tudo era verdade. Será que estou sonhando? É tão lindo assim? Senti medo, senti encantamento. Desconfiei até mesmo daquilo que eu estava olhando, tamanha era a beleza. Aí foi paixão.”

Poderia ser um sonho ou até mesmo cenas de filme de ficção científica, mas a descrição acima é a mais pura realidade. É o relato de quando Marco Brotto, 44 anos, viu pela primeira vez os raios de luz da Aurora Boreal.

Brotto é um “caçador” de Aurora Boreal, como são chamadas as pessoas que saem pelos países nórdicos em busca de presenciar o mágico fenômeno. A história dele chegou até mim por indicação de uma amiga no Facebook. E foi assim que conheci a saga dele e o procurei para dar uma entrevista aqui pro Vidaria. Eu pouco sabia sobre Aurora Boreal, mas se já fico encantada com o céu iluminado numa noite de lua cheia em São Paulo, consigo imaginar o quão grande deve ser o encantamento ao ver tais raios de luzes no céu.  Ter conhecido a história dele e seu encantamento pelo fenômeno só reforça minha pergunta: qual é o sentido disso tudo?

Luzes da Aurora Boreal nem sempre são verdes. Tem azul, purpura, vermelho, explicou Brotto

Mas vamos à história de Brotto. O comerciante me contou que o acontecimento descrito no começo deste texto, um “marco” em sua vida, ocorreu em 2011, na Noruega. Ele estava sozinho e tinha ido ao país nórdico justamente em busca do fenômeno. As temperaturas chegavam a -16ºC e fortes nevadas levaram a uma sequência de cancelamentos de excursões coletivas que caçariam a Aurora.

Brotto não desanimou, alugou um carro e saiu a sós pela região. Com dicas da central de turismo local, encontrou pontos onde é possível ver o fenômeno. O que ele não imaginava é que conseguiria ver a Aurora na última noite de sua viagem.

Era a segunda vez que o comerciante viajava em busca das “mágicas” luzes no céu. A primeira tentativa foi em 2008, no Alasca, quando ele comprou um pacote de cruzeiro para a região. “Ingenuamente eu achei que durante todo o cruzeiro eu poderia ver a Aurora, que era só olhar para o céu e tudo ficaria verde.” Não deu certo porque os cruzeiros não chegam até o local das auroras, explicou.

Foi uma conversa entre amigos em 2007 que originou a perseguição de Brotto pelas Auroras. Ele estava com o grupo no Death Valley, nos Estados Unidos. “Conversávamos sobre as estrelas e sobre o silêncio assustador que tem no deserto. Veio daí a imaginação de como seria ver essas luzes verdes que vêm do Norte”, explicou. “Resolvi pesquisar. Deu nisso.”

De lá para cá Marco já fez 15 expedições para o Ártico. Já conheceu Noruega , Estados Unidos (Alasca), Canadá , Rússia , Islândia , Finlândia, Suécia e Dinamarca (Ilhas Faroá). “Falta a Groenlândia para fechar os países que o círculo polar ártico corta”, disse.

Somente na primeira viagem, ao Alasca, é que Brotto não viu a Aurora Boreal. “Depois disso eu tive muita sorte. Praticamente todos os dias eu consegui ver. Às vezes, durante a noite, vemos dois ou mais eventos”, relatou.

‘Arrepia tudo’

A Aurora Boreal é um fenômeno visual que ocorre no extremo norte da Terra. De acordo com o site “Só Geografia”, as luzes aparecem no céu função do contato dos ventos solares com o campo magnético do planeta (leia mais aqui).

Apesar da explicação científica, presenciar essas luzes não é apenas um fenômeno para se observar, mas sim sentir, segundo Brotto. “Eu digo que a gente não vê, a gente sente. Arrepia tudo. Mesmo no frio, parece que os poros abrem e você descarrega as coisas ruins e se purifica. É um encontro mágico com um fenômeno que você não acredita que está vendo, o céu em chamas verdes.”

Brotto relatou que a duração da Aurora é variável, sendo que ele já presenciou Auroras fantásticas de 3 minutos e outras de oito horas. “É adrenalina o tempo todo. No Alasca já teve noite que eu fui à caça às 4h da manhã, quando a maioria das pessoas acha que não tem mais Aurora.” Além da adrenalina, há o frio – ele explicou que usa cinco camadas de roupas, “uma cebola”, nas palavras dele.

Coach de Auroras

O que o move a sempre voltar e ver uma nova Aurora não é só o prazer de presenciar o fenômeno, mas sim de compartilhar tamanha beleza com os demais. Em 2014, após 10 viagens, passou a realizar, como coach, expedições para levar a experiência a outras pessoas, em parcerias com agências de turismo.

“É um assunto apaixonante, lindo, que me atrai pela realização de ajudar as pessoas a realizar seus sonhos. Eu acho que a gente tem que compartilhar informações, dividir conhecimento e experiência. Quando recebo um recado de alguém grato pela minha ajuda, me realizo.”

Aliás, Brotto compartilha uma série de fotos e informações a respeito das viagens na página www.auroraboreal.blog.br. Quem quiser ver suas lindas fotos também pode segui-lo no Instagram: @marcobrotto

Brotto: ‘Quando vejo uma Aurora, perco totalmente a noção de tempo e espaço’ (Foto: Divulgação)

Cores

O caçador de Auroras explicou que nem sempre as luzes do fenômeno são verdes. “Tem azul, rosa, púrpura. O verde é o mais comum porque é o contato do plasma com o oxigênio da atmosfera, daí o nitrogênio forma verde e tons avermelhados. Quando a tempestade é mais forte, ela entra mais na atmosfera pegando mais nitrogênio nas baixas camadas, por isso aparece mais vermelho”, explicou.

Ele também lembrou que cada pessoa tem uma percepção diferente das cores. “Tem pessoas que simplesmente não veem os vermelhos. O azul e o verde são muitas vezes confundidos”, disse.

Apesar de toda a experiência e das expedições, o comerciante diz que ainda não consegue viver financeiramente apenas de ver a Aurora Boreal. Diz que é bastante econômico e que a maioria das viagens que faz é com recursos próprios.

Sentido da vida

Para Brotto, a vivência de ter visto a Aurora Boreal e o desafio que enfrentou para ver o fenômeno o fez pensar bastante sobre o sentido da vida. “Quando eu voltava sozinho da minha primeira Aurora, foi um marco na minha vida, retornou na memória a tentativa frustrada no Alasca, as dificuldades, o sonho, a persistência, o frio, e assim por diante. Hoje sou muito mais desapegado das coisas materiais, tento ser mais justo nas relações humanas, praticando empatia, me colocando o lugar dos outros.”

Ele disse acreditar que todo mundo pensa a respeito do sentido da vida. “Temos que viver intensamente todos os dias, não como se fosse o último, mas como se fosse o único. O último parece que temos que acelerar para fazer tudo de uma vez. O único é mais prazeroso e saboroso.”

Quando vê uma Aurora, Brotto diz que sai do tempo. “Quando vejo uma Aurora, perco totalmente a noção de tempo e espaço. Começo a pensar nas coisas que existem e não sabemos. Sentir a Aurora não é somente olhar para o céu e ver a chuva de luzes, vai muito além disso.”

Gabriela Gasparin

Jornalista, blogueira e escritora. Em 2013 criou o blog www.vidaria.com.br, onde publica depoimentos sobre o sentido da vida. O trabalho resultou no livro “Vidaria, uma coletânea de sentidos da vida”, à venda no site www.autografia.com.br.

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