Por ANDRESSA BASILIO

A pernambucana Maria Helena Lapenda, de 56 anos, pode dizer que caiu literalmente de cama por causa de… cansaço. Mas não qualquer cansaço. As noites de sono não conseguiam repor suas energias, levantar-se exigia um esforço imenso e, para completar, uma sensação dolorosa se espalhava pelos ombros, pela cabeça e pelos membros, comprometendo movimentos mínimos como o de levar um garfo à boca. “Eu trabalhava dois dias e precisava ficar o resto da semana na cama. Estava acabada até para falar”, conta a secretária. Depois de anos de idas e vindas entre hospitais e de ser rotulada de preguiçosa pela família, Maria Helena recebeu seu diagnóstico: síndrome da fadiga crônica.

Essa condição, caracterizada por uma canseira incapacitante, começou a ser estudada no fim dos anos 1980 e, desde então, foi pontuada de controvérsias. Isso porque, por mais que o médico vasculhe o paciente, não encontra alterações fisiológicas significativas, o que dificulta não só a detecção como a própria compreensão de quem vive com esse peso sobre as costas, a cabeça… Os mistérios que rondam a síndrome, que afetaria até 1,5% da população mundial, estão fazendo os especialistas revisitarem sua definição. E o pontapé do debate envolve a própria nomenclatura. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos propõe uma mudança: em vez de síndrome da fadiga crônica, mais fiel seria adotar o termo “doença da intolerância sistêmica ao esforço”.

Os experts creem que agregar a palavra “doença” ampliará a atenção e a seriedade cobradas pelo problema. “O preconceito e a falta de informação são os maiores obstáculos enfrentados pelos portadores hoje”, afirma Leonard Jason, estudioso do assunto e professor de psicologia da Universidade DePaul, em Chicago (EUA). Obstáculos que impedem o diagnóstico correto – algo ainda mais crítico no Brasil.

Ao comparar dados epidemiológicos do Reino Unido com os de nosso país, o pesquisador sul-coreano Hyong Jin Cho, da Universidade da Califórnia (EUA), constatou que a prevalência era quase a mesma (2 e 1,6%, respectivamente). Só que o diagnóstico era dado na proporção de 11 para 1. Ou seja, milhares de brasileiros perambulam sem receber o laudo e o acompanhamento adequados. Um dos motivos é a interpretação subjetiva da fadiga e outro, a falta de testes laboratoriais específicos. “Além disso, diversas condições têm o cansaço como sintoma, caso do hipotireoidismo e da carência de vitaminas. Aí é preciso fazer uma série de exames para descartar outros problemas”, argumenta o reumatologista Roberto Heymann, da Universidade Federal de São Paulo.

A questão que intriga os cientistas (e os pacientes) é de onde brota o cansaço sem fim. Uma das hipóteses mais aceitas diz que a doença, de base genética, está ligada a falhas no eixo que liga o sistema nervoso à fabricação de alguns hormônios, como o cortisol, que coordena nossa reação ao estresse. O psiquiatra Mario Francisco Juruena, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, explica que o baixo nível dessa substância faz com que metade dos portadores de fadiga crônica apresente também um quadro de depressão atípica. “Além do desânimo, ela vem associada a compulsão por doces e outros alimentos de alto teor calórico, sedentarismo, sono excessivo e alta sensibilidade emocional”, descreve o especialista, que passou seis anos investigando o tema na Inglaterra.

Uma curiosidade da condição, que afeta ligeiramente mais mulheres do que homens, é que muitas vezes ela se manifesta após uma infecção por bactéria ou vírus, especialmente o da gripe. Os sintomas comuns (febre, coriza, dor de garganta…) vão embora, mas ficam de presente a canseira e a falta de ânimo. Só que não dá pra responsabilizar apenas agentes microscópicos pelo revés. Há todo um cenário psicológico que favorece a doença do cansaço. “Muitos pacientes passaram por uma grande situação de estresse na infância, como a perda de entes queridos, maus-tratos físicos ou abuso sexual”, conta Juruena.

É por essa razão que atualmente o tratamento do problema não depende só de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos e de suplementos vitamínicos. Costuma cobrar também sessões de psicoterapia. “Ainda não se fala em cura, já que não conhecemos todos os fatores que determinam a síndrome, mas seus sintomas são tratáveis e é possível garantir a qualidade de vida”, afirma a psicóloga Rafaela Teixeira Zorzanelli, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Outra medida que desponta com bons resultados é a chamada terapia do exercício gradual (GET, na sigla em inglês), um programa de atividades físicas personalizadas. Um estudo recém-publicado por cientistas britânicos na revista médica The Lancet Psychiatry mostra que vencer o medo de se movimentar e aderir devagar, devagarinho aos exercícios podem responder por até 60% de melhora no tratamento. A GET começa com pequenos movimentos (sentar-se na cama e se levantar, por exemplo) e evolui para uma modalidade mais consistente, como caminhadas leves.

E é exatamente isso o que Maria Helena está fazendo — com sucesso, diga-se. “Conseguir andar na praia aqui perto de casa é a minha maior conquista. É como se eu começasse a viver de novo”, comemora. Combinar acompanhamento médico, certos remédios e programas que trabalhem a mente e o corpo parece ser o plano perfeito para vencer a luta contra essa doença misteriosa e extenuante por natureza.

Muito além do fim do pique

Conheça os sintomas da síndrome da fadiga crônica, condição que pode mudar de nome em breve. O indivíduo se enquadra nela se apresentar pelo menos quatro dos sinais listados abaixo num período igual ou maior que seis meses

  • Cansaço persistente e sem que ele seja resultado de um grande esforço
  • Dificuldade de concentração
  • Perda constante de memórias recentes
  • Oscilação de humor entre tristeza e euforia
  • Estresse e ansiedade crônicos
  • Sonolência diurna
  • Dores musculares pelo corpo sem causa aparente
  • Dores nas articulações (sem evidência de artrite)
  • Dor de cabeça intensa
  • Fadiga insuportável após esforço físico
  • Inchaço nos gânglios linfáticos
  • Inflamação na garganta

A fadiga também pode ser sinal de:

Hipotireoidismo

O déficit na produção dos hormônios da tireoide afeta todo o metabolismo e gera uma tremenda leseira.

Insuficiência cardíaca

O coração perde a capacidade de bombear o sangue e o corpo carece de oxigênio e nutrientes.

Diabete

Além da desidratação provocada pela perda de urina, as células não recebem glicose direito – daíadeus, energia!

Depressão

As alterações químicas no cérebro interferem no sono, no humor e na disposição física e mental.

Apneia do sono

Marcado por interrupções na passagem do ar, o distúrbio rende uma baita canseira diurna.

Imagem de capa: Stock-Asso/shutterstock

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