A carência pode fazer com que uma pessoa se sujeite a más companhias

Em virtude da carência, muitas pessoas renunciam ao bom senso e mergulham de cabeça em relacionamentos tóxicos, pensando que não há problemas com esse tipo de envolvimento, enquanto o que as mantêm nesse caminho é o medo da solidão e a perspectiva de desamparo.

Os seres humanos são feitos para conviver em sociedade, e pouquíssimos conseguem suportar a ideia de viver sozinhos. Certamente, a vida desprovida de socialização é pobre, mas quem não suporta estar na presença de si mesmo também se sente empobrecido. O medo da solidão é o principal motivo que leva pessoas carentes a procurar por alguém. Mas, se essa é a única motivação, acaba por revelar um defeito de amor próprio e uma intolerância à própria subjetividade.

Em pessoas demasiado carentes, o senso de discriminação de pares afetivos é baixo. Elas são menos seletivas no processo de escolha, para obterem acesso a mais oportunidades de suprir as manifestações de abstinência de amor. Assim, seus critérios de avaliação são menos rigorosos, pois pensam que elevar demais esses critérios pode as afastar de candidatos potenciais ou mesmo privá-las de qualquer experiência romântica.

Com frequência, a carência pode fazer com que uma pessoa se sujeite a más companhias. Ela talvez pense que é melhor estar com alguém indecente do que com ninguém. A frase “melhor só do que mal acompanhada” é ignorada, enquanto a frase “ruim com ele, pior sem ele” se torna uma regra.

Pessoas carentes confundem sexo casual com amor, superficialidade com profundidade, promessas com garantias. A vontade urgente de se sentirem desejadas as submete a tratamentos que, normalmente, não aceitariam de forma alguma. Elas colocam seu valor pessoal em cheque, mas não se importam com isso, desde que sua carência seja suprida.

É bom lembrar que todos sofrem de carência, dos mais autoconfiantes aos mais inseguros, dos mais frívolos aos mais afetuosos. A existência humana requer carinho, atenção, cuidado. As formas de dar e receber afeto variam, mas, sem afetividade, não há humanidade. O problema – muitíssimo comum – está em pensar que a solução do vazio interior está no namorado, na esposa, no pai, na melhor amiga, ou seja, no outro, e não em si mesmo. A dificuldade de dar conta da própria carência é o que provoca, em parte, a insegurança em se sentir sozinho. A transferência da responsabilidade pela própria felicidade é causa de grande infelicidade quando não existe um amparo em outro alguém.

Não existe alguém que não sinta falta de alguma coisa, a não ser que nunca tenha tido nada na vida, e isso é, literalmente, impossível. O que mantém a pessoa em movimento é a busca por suprir as pequenas e grandes carências que surgem em sua realidade. Deve haver um certo nível de insatisfação que conduza o ser humano a continuar vivendo em busca de prosperidade.

Quando uma pessoa alimenta sua própria autonomia com real entusiasmo, ela não depende que outro alguém a complete, simplesmente por se sentir inteira – o que não significa que ela seja autossuficiente. Obviamente, ela precisa de ajuda externa para se desenvolver, mas não limita seu desenvolvimento à boa vontade alheia. Desse modo, todos que cruzam seu caminho são companheiros de vida, em vez de salvadores de sua autoestima.

É no momento que a pessoa consegue relacionar-se integralmente consigo mesma que se sente apta a construir relacionamentos mais saudáveis com outros. Saber estar sozinho é requisito de estar bem acompanhado.

Pessoas carentes toleram menos a rejeição e, por isso, se tornam mais suscetíveis a relações problemáticas. Ao sentirem-se muito sozinhas e desamparadas, acabam ficando vulneráveis a indivíduos oportunistas, que podem se aproveitar de sua fraqueza.

De tão imersa na carência, a pessoa pode se tornar indiferente a todos os defeitos de caráter que porventura existam naquele alguém com quem ela está se relacionando. Pode ser que esse relacionamento se converta em algo mais sério, mas não será algo benéfico a não ser que ela direcione seu olhar para a situação como um todo, meça seus prós e contras, e se certifique de que o parceiro não existe apenas para aliviar sua carência, mas que também sirva a um propósito de amor mais elevado.

Administrar um relacionamento sério é uma das coisas mais difíceis (e relevantes) que existem. Mas, quando há muita carência e a pessoa não imagina sua vida sem o outro, ela pode se tornar tão dependente dele que passa a aceitar tudo. No entanto, quem ama não deve aceitar tudo, pois o excesso de permissividade dificulta a capacidade de discernimento do que é certo e errado numa relação. Alguns acham que um relacionamento bom é aquele no qual não há regras, mas, sem regras, reina uma anarquia que torna impossível lidar com tanta liberdade.

Os carentes afetivos crônicos dependem de outras pessoas para serem felizes, têm mais dificuldade em criar e sustentar relacionamentos maduros, são mais propensos a sentir ciúme e adotar atitudes obsessivas e controladoras, e cobram de seus pares a atenção que eles mesmos não conseguem se dar.

No núcleo da carência afetiva estão o vazio interior e a falta de amor próprio que, combinados, fazem das pessoas inseguras e imaturas para amar verdadeiramente. Enquanto todos são carentes, alguns fazem da carência sua condição de existência.

Quando o medo da solidão é maior que o senso de autoestima, o resultado é carência, submissão, evitação da própria liberdade e dependência crônica do outro.

O vazio que acompanha a privação afetiva é um grande condutor de relações defeituosas. Embora esse vazio seja descrito e experimentado de formas diferentes, dependendo da vivência de cada um, decerto é uma característica universal que precisa ser administrada com muita cautela. Porque o esvaziamento de si marca seres carentes de amor, e a carência nada mais é que o vazio se manifestando, quem procura resolver essa carência externamente apenas expressa a inabilidade para coabitar em si mesmo e aceitar tudo que significa a sua individualidade. Se é fato que pessoas individualistas não vão muito longe, também é que pessoas intolerantes com sua singularidade são mais propensas a viver relacionamentos disfuncionais.

Um relacionamento movido somente por carência é infantil: crianças amam porque precisam de quem as cuide. Quando a carência, por si só, motiva a busca de relacionamentos, há grandes expectativas de que o vazio emocional interno encontrará consolo numa pessoa idealizada como protetora. Essa pessoa, porém, pode não sentir a obrigação de sustentar tal carência, e, talvez, uma responsabilidade dessas seja motivo não de aproximação, mas de distanciamento.

Mais precisamente, a carência significa a manifestação ativa do vazio interior que todos desejam resolver, mas se percebem incapazes de o fazer definitivamente.

A necessidade de receber afeto só pode ser satisfeita quando se dá afeto. É uma troca. Questão básica de reciprocidade. Se a doação de afeto é prejudicada pela carência, isso explica por que pessoas carentes sentem-se mais defasadas emocionalmente.

Carência envolve o medo de que as necessidades de conexão emocional não sejam satisfeitas. Na atual época de individualismo e distanciamento, em que mais pessoas encontram dificuldades de envolvimento afetivo profundo, o sentimento de carência é agigantado, dando espaço para a superficialidade, e promovendo um senso de fuga por trás do qual se escondem a indecisão e a desconfiança.

O indivíduo carente é como um náufrago que, desesperado, precisa se agarrar a algum ponto de apoio para não sucumbir às profundezas de sua instabilidade e solidão. Ele deseja encontrar uma ilha, um porto seguro onde permanecer para evitar sua miséria internalizada.

A carência está por trás dos relacionamentos de conveniência, nos quais duas pessoas estão juntas não porque necessariamente se amam, mas porque julgam que sua separação causaria mais prejuízos do que manter o vínculo. Nesses relacionamentos, as pessoas estão tão acostumadas uma com a outra, possuem tantas coisas e histórias em comum, que passam a tolerar certas infelicidades e imoralidades em sua realidade. O medo de desistir de um relacionamento desses está associado à carência, e ao julgamento de que, se houvesse separação, outros problemas (até piores) ocupariam o lugar dos atuais. Se a relação se tornou abusiva e insatisfatória em algum ponto no meio do caminho, as pessoas devem estar dispostas a restabelecer a saúde da parceria, mas, muitas vezes, elas decidem não fazer nada, cedendo ao comodismo e simpatizando com quem as está fazendo mal. Essas pessoas escolhem não sair da zona de conforto por causa do medo da mudança. Relacionar-se com alguém apenas por conveniência pode ser a opção mais prática, mas nem sempre isso leva à felicidade. A carência pode fazer com que a segurança de uma relação seja banalizada em troca de experiências emocionais arriscadas demais.

É melhor estar em um relacionamento infeliz do que estar solteiro? Muitos acreditam que sim, partindo da crença de que estar solteiro é algo que naturalmente produz infelicidade. A sociedade condena pessoas que escolhem ficar sozinhas, por causa dessa crença que, na verdade, é um preconceito profundamente enraizado. Apesar de existir uma solidão patológica, a vida de solteiro não é obrigatoriamente ruim, mas será se a pessoa for inábil para lidar com seu vazio.

O encontro sentimental consigo mesmo vem antes de um envolvimento social pleno. Mas a solidão é tão evitada, tão repudiada, que esse encontro pode não ocorrer e, não ocorrendo, há um movimento em direção a outro alguém com quem se possa viver experiências emocionais que ajudem no esquecimento daquela solidão.

Embora muitos psicólogos aconselhem às pessoas a lidar com sua solidão antes de investir em relações afetivas, não se deve subestimar a terrível angústia que muitos sentem ante a possibilidade de ficar solteiros, principalmente quando já viveram ou estão vivendo relacionamentos emocionalmente significativos.

Algumas pessoas têm tanto pavor de sua carência que desprezam a necessidade de se conectar com outros intimamente, embora essa necessidade seja inevitável. Existe uma visão egocêntrica que valoriza a busca da independência em detrimento de qualquer ajuda externa, mas isso não passa de um ideal utópico.

Indivíduos carentes muitas vezes são considerados fracos, como se fossem culpados por sua necessidade de conexão social. Essa é uma perspectiva errônea. Ninguém depende apenas de si mesmo para sobreviver, por mais autônomo que seja. Trabalhar a carência em benefício próprio é diferente de se deixar limitar pela carência.

A desconfortável sensação de desamparo faz parte da vida desde o nascimento. Quando o bebê sai do ventre de sua mãe, busca consolo e, à primeira vista, estranha o mundo; somente depois de um tempo ele se acostuma com o fato de que sua mãe nem sempre estará ali para protegê-lo. Muitos adultos sentem essa mesma sensação de desamparo, e precisam tomar providências para lidar com um mundo muitas vezes indiferente à sua carência.

Se o fato de estar carente remete a uma vulnerabilidade, e se a vulnerabilidade faz parte de se entregar ao amor, a carência faz parte de qualquer vivência amorosa. O amor tanto cura a carência quanto a carência leva ao amor.

Não há problema em ter fome emocional, exceto quando se a usa sempre para justificar a carência. Essa fome nunca pode ser plenamente satisfeita. Se o ser humano fosse o tempo todo gratificado, não saberia o que é felicidade.

Só após compreender que a necessidade de “curar” o vazio existencial em outro alguém é um sinal de carência de amor próprio, a pessoa consegue agir com o objetivo de resgatar a si mesma das faltas emocionais que a estão privando de relacionar-se saudavelmente.

Eduardo Ruano

Escritor e revisor. Eu me considero uma pessoa racional, analítica, curiosa, imaginativa e ansiosa. Gosto de ler, ouvir música, assistir filmes e séries, beber e viajar com os amigos. Estudioso de filosofia, arte e psicologia. Odeio burocracias, formalismos e convenções. Amo pessoas excêntricas, autênticas e um pouco loucas, até certo ponto. Estou sempre buscando novas inspirações para transformar ideias em palavras.

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