Carta ao Eduardo, criança de 10 anos, morta a tiro ao subir, ontem, o Morro do Alemão

Por Nara Rúbia Ribeiro

Eduardo, não sei se lhe disseram isso. Mas viver é algo muito perigoso. Quando menos se espera,  a morte nos toma de assalto, enquanto a gente caminha satisfeito porque a professora de Geografia não notou a tarefa mal feita e sorri pensando na comida da mãe ou na pelada a jogar no campinho de terra logo mais com os amigos.

Sabe, Eduardo. A vida realmente não é como o desenho animado, onde o Pica-pau leva tiro e não morre nunca. E, não sei se deu tempo de perceber, mas nem sempre o mocinho vence, no final da história. Aqui é uma terra meio confusa, sabe… Não raro alguém com farda de soldado tem sangue de bandido e, quando se depara com um pobre menino a subir o morro, a sede de sangue muitas vezes fala mais forte.

E pode ser até diferente. Pode ser o tal polícia de tanto colocar o peito na mira de tiro,  já nem sanidade tenha e sequer enxergar consiga, tamanho o escuro em  seu coração.  Um poeta alemão disse, há muito, que “do rio que a tudo arrasta se diz que é violento/mas ninguém diz o quanto são violentas/as margens que o reprimem”. Talvez quem atirou (ainda não sabemos a circunstância) seja tão vítima quanto você.

O que acontece, Eduardo, é que a sociedade quer combater o fogo com fogo, e a fogueira só aumenta. O homem decidiu desumanizar o homem: bandido é bandido e tem que morrer (nem é gente), e tem que sofrer males físicos, e tem que ser submetido a trabalhos forçados e tem que receber o troco com a mesma moeda.

E a sociedade não percebe que quando desumaniza um humano ela agiganta o mostro latente na alma desse ser já infeliz. E que a cada dia o mal toma contornos mais fortes e mais invencíveis.

Por isso, Eduardo, vá passear lá em cima e volta! Talvez daqui a um tempo o brasileiro perceba que miséria só se desfaz com a generosidade. Veja que aqueles de tendência infeliz são os que mais necessitam, junto à reprimenda legal, de amparo, de orientação, mais necessitam de serem tratados como humanos e recebam do Estado brasileiro o tratamento digno, a oportunidade de ressocialização, a benesse de uma nova chance de vida.

E, quem sabe, primando o Brasil pela dignidade de todo e qualquer brasileiro, as nossas crianças se vejam blindadas de proteção e carinho. E possam, assim, caminhar sem o medo de que uma bala lhes colha toda a vida que ainda estão por viver.

Nara Rúbia Ribeiro

Escritora, advogada e professora universitária.

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