Mãe, eu sei que o passado ainda dói. Sei como é longo e dolorido o processo de cortar as raízes que nos machucam, pois, por vezes, elas são as mesmas que ainda nos mantêm em pé.
Eu sei que às vezes tudo se torna pesado. E que nos ensinaram que a leveza vem de dentro. Mas dentro é um lugar que nem sempre estamos dispostos a visitar e observar com calma. Sabemos que essa viagem nos desorganiza ainda mais antes de vir a ser cura.
Assim, mãe, todos buscamos muletas. Suportes adicionais que comportem o peso das nossas dores. E a gente continua. Mais devagar do que antes, mas continua. Não tocamos no que julgamos insuportável, mas nossas mãos se resignam a nunca mais alcançar as estrelas.
Mas tem horas que a gente se distrai do medo, sabe? Tem horas que a nossa essência grita. Berra. Com sede de andar de balanço. De tirar os pés do chão. De se sujar na areia. De cair e esculpir novos hematomas, só pra te ver sorrir de alívio ao testemunhar mais uma vez a capacidade ainda viva de se permitir curar.
E sempre que esse ímpeto, que essa lucidez tomar conta de ti, mãe, eu vou estar aqui.
Vou estar aqui para te lembrar, quantas vezes for preciso, que, até aqui, tu fizeste o melhor que pode. Para que culpa nenhuma te impeça de sonhar.
Vou estar aqui como testemunha da tua força. Como a legitimação viva da tua história.
Daremos as mãos e saberemos, silenciosamente, até onde podemos voar. Afinal, compartilhamos as mesmas raízes.
Patrícia Pinheiro
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