O Brasil com os nervos à flor da pele em decorrência desta grave pandemia e no meio dela surgem os que continuam dando carteiradas, como noticiam as mídias. São indivíduos que o poder subiu à cabeça, que expõem seu pedantismo diante de pessoas com supostas desvantagens socioeconômicas.
É uma parcela da elite, como desembargadores, políticos, empresários, policiais, celebridades etc, que possuem privilégios, contudo, são seres desprezíveis em termos de valores, que se apegam a um ritual de opressão, deslocado de uma sociedade que avança em direção oposta.
Essa falsa superioridade, se revela na indecorosa frase: “Você sabe com quem está falando?” É a mesma elite que fecha os olhos para a pobreza e a violência policial que executa negros na periferia, colocando o nosso país no ranking da crueldade.
Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, isso resume a existência de dois “Brasis”, o dos poucos privilegiados e o da maioria de desafortunados, que se originou de uma nação escravocrata que nos legou uma sociedade autoritária, a qual tratamos de reproduzir em pleno século 21, que nega-se a lidar com a ideia da igualdade na divisão dos direitos e dos deveres.
No entanto, muitas das histórias de carteiradas não saem nas mídias, onde todos os dias pessoas inocentes são humilhadas por sujeitos que acham que estão acima da lei, porque tem poder, dinheiro e fama. Assim, eles se impõem de forma arbitrária para inferiorizar seus interlocutores, que são tratados como inimigos.
O que estamos assistindo é o desrespeito ao decoro e uma reação contra a igualdade de todos perante a lei, ou seja, é um vale tudo para manter as regalias. É como o gondoleiro veneziano mencionado na “Ética Protestante”, de Max Weber, que nada cobra de seus parentes, amigos e compadres, mas exige o dobro dos estranhos.
No ensaio sociológico” As Formas do Capital”, Pierre Bourdieu caracteriza três categorias de capital: 1) Capital econômico (renda, salários, imóveis), 2) Capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), 3) Capital social (relações sociais que podem ser revertidas em capital e que podem ser capitalizadas), que no contexto brasileiro são recursos ou poderes usados para dar carteiradas, como forma de instituição de hierarquias.
É importante sempre lembrar que fizermos parte de uma população global de 7,7 bilhões de humanos, que vivem no planeta Terra que está entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias em um dos universos possíveis e que vai desaparecer. Porém, como diz o ditado popular: “Tem gente que se acha a última bolacha do pacote.”
Enfim, a má conduta dessas criaturas só agravam o desrespeito à lei e aumentam a desigualdade social, já que elas não titubeiam em humilhar quem atrapalha o seu caminho. Aliás, é uma vaidade ególatra que precisa se destacar em tudo aquilo que os diferenciam dos demais: seus bens, seu clã e sua religião, demonstrando para a opinião pública que suas vidas são miseráveis do ponto de vista humano, moral e espiritual.
Jackson César Buonocore é sociólogo e psicanalista
Imagem de SamWilliamsPhoto por Pixabay