Casais agressivos criam filhos frágeis

A agressividade tem muitas faces e maneiras de se projetar. Nem sempre aparece de forma explícita ou óbvia, como o confronto direto. A negligência em relação aos sentimentos do outro é uma forte representação de agressividade. A indiferença é uma forma poderosa de se agredir alguém. A ironia, ilustrada por comentários e posturas ácidas e depreciativas, pode ser tão impactante, quanto uma porta batida na cara. Muitas vezes, palavras ditas “em voz de veludo”, encerram críticas com alto poder de destruição. E, no calor da raiva, somos capazes de nos machucar tanto, a ponto de não haver conserto para os estragos deixados para trás. Somos adultos, enfim; e, neste caso, é de se supor que sejamos capazes de administrar conflitos; sobretudo quando eles fazem parte da construção de um relacionamento a dois. Mas… e se no meio desse fogo cruzado, além das trincheiras emocionais, houver uma criança, ou duas, ou mais… frutos diretos desse relacionamento? Será que é justo envolvê-las nessa confusão? Não! Não é justo, não é certo, e pode trazer consequências desastrosas ao seu desenvolvimento!

CRIANÇAS TÊM “ANTENAS” PODEROSAS

O tom que rege o relacionamento de um casal reverbera por toda a casa e mina a saúde emocional de toda a família. Quando um casal se perde um do outro e a convivência deixa de ser alegre, comprometida, leve e prazerosa, muda sensivelmente o clima ao seu redor. Mudam os olhares, a modulação da voz, a natureza gestual, muda tudo. O clima fica tenso, os diálogos menos frequentes, a maneira de tratar o outro perde a polidez afetiva; desanda e azeda. Com o passar do tempo, o casal que se perdeu, caso não tome consciência disso, corre o risco de se habituar a essa rotina áspera, sem brilho e sem vida. Isso é tão triste, quanto comum. E se esse casal tiver tido a iniciativa de procriar, acrescentando filhos a essa família, corre o risco maior de incluir essas crianças num modelo equivocado de relação. As crianças costumam ser visceralmente ligadas às alterações emocionais de seus pais. Portanto, quando a relação desses adultos adquire um caráter beligerante e pouco cuidadoso, no aspecto amoroso, os filhos são afetados diretamente, e podem vir a manifestar queda no desempenho escolar, alterações no comportamento; e, até problemas de saúde; crescem ansiosos e frágeis.

CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS

Não há nesse mundo, casal que nunca tenha se desentendido. Seja por terem pontos de vista diferentes, ou porque projetam expectativas além da conta um no outro, ou porque a vida vai desgastando o afeto, ou mais de mil outras razões possíveis. Dividir a vida com alguém não é tarefa fácil, nem descomplicada; requer compromisso, empenho, lealdade, amor, companheirismo e compreensão, para dizer o mínimo. A vida a dois configura uma realidade muito diferente da aura de paixão emocionante que costuma unir duas pessoas. A relação vai se transformando; o casal vai aprendendo a interpretar-se, ouvir-se, olhar-se. E é só com um olhar atento e uma postura aberta para essa transformação que a relação consegue sobreviver às inúmeras crises que são inevitáveis. A questão não é “nunca discutir”; a questão é discutir de forma respeitosa e com o objetivo de dar passos à frente, não de destruir o outro, ou de ver “quem pode mais”. Os conflitos, quando vividos de forma amorosa e madura, levam o casal a um patamar mais elevado de conhecimento e parceria; e passam aos filhos uma importante lição: discordar do outro não significa deixar de amá-lo.

NUNCA NA FRENTE DAS CRIANÇAS

E, se há formas positivas de administrar conflitos, há também lugares adequados para dar-lhes espaço. O casal precisa compreender que suas diferenças fazem parte do universo dos adultos, é assunto de gente grande; e, portanto, não deve, de jeito nenhum, ser um espetáculo cuja plateia são os filhos. As crianças não sabem como lidar diante de uma briga entre seus pais; ficam aflitas, inseguras, incomodadas e desconfortáveis. Intimamente, sentem-se responsáveis pela situação; e, o pior de tudo: não podem tomar partido e, não fazem a menor ideia de como fazer aquilo parar. Essa impotência gera ansiedade e dá às crianças uma bagagem cujo peso está além de sua força para carregá-lo.

O QUE SE PASSA NA CABECINHA DOS PEQUENOS

Até os cinco anos, por exemplo, as crianças são, ainda, atingidas pela angústia de sequer entender exatamente sobre o que os pais divergem, já que seu repertório, de vocabulário e de experiências, é insuficiente para interpretar as demandas dos adultos. Crianças de qualquer idade são afetadas pelo medo da separação; criam fantasias a respeito; sofrem a angústia diante da hipótese de perder o convívio com um dos pais. Crianças um pouco maiores, inevitavelmente fazem julgamentos, tendendo a dar razão para um ou outro. Só que esse sentimento gera desconforto, porque se o julgamento é da esfera da razão, a relação afetiva com os pais é profundamente emocional e carregada de simbolismos de dependência e cuidado. Sendo assim, ao escolher um dos lados, a criança sente que abandonou o outro.

VIVER AOS BEIJOS E ABRAÇOS NÃO É SINÔNIMO DE AMAR VERDADEIRAMENTE

Muito mais importante do que demonstrações físicas de afeto, é a criação de uma atmosfera de confiança, cuidado afetivo e atenção carinhosa. Há casais que vivem numa verdadeira montanha-russa; protagonizando brigas cinematográficas e reconciliações teatrais. Esse relacionamento instável e pontuado por extemos, pode incutir nos filhos a crença equivocada de que o amor é isso, esse descompasso, esse padrão exagerado e sem harmonia. Amar verdadeiramente alguém é ser capaz de incluir os carinhos físicos nas horinhas corriqueiras do dia-a-dia; e, aliar essas demonstrações explícitas de afeto a posturas de acolhimento e atitudes menos intempestivas nos momentos de conflito e divergência. O contato físico é elemento importante na constituição de uma relação baseada no desejo legítimo e confesso de incluir o outro e os filhos no espaço afetivo familiar.

PROMOVER BONS DEBATES

Uma coisa precisa ficar clara em relação ao comportamento dos pais: mesmo quando não estão fazendo nada, os pais estão ensinando algo aos filhos; atitudes ensinam muito mais do que discursos, sobretudo se o discurso for um sermão da montanha que se repete com frequência. Debater diferentes pontos de vista, com tranquilidade e respeito pelo outro, é uma das mais valiosas lições que um casal pode dar a seus filhos. É fundamental fazer esse exercício e colocar esse hábito em prática no ambiente familiar. Usar o momento das refeições – quando é tão importante o encontro de todos – para debater opiniões divergentes e coordenar as diversas interpretações acerca de um assunto ou conceito, é proporcionar aos filhos a oportunidade de compreender que as diferenças podem ser elementos de soma; e, não de divisão.

NÃO É FÁCIL, MAS NÃO É IMPOSSÍVEL

É bom que se esclareça… Ninguém aqui está propondo uma vida em tons pastéis, nem uma reprodução daquela família feliz que aparece nos comerciais de margarina. Nada disso! Mesmo! A proposta é parar, pensar e refletir. O que é que se ganha numa briga, depois da qual um sai amargurado e o outro com a garganta ardendo? O que pode haver de positivo numa relação em que um quer subjugar o outro a todo custo? Qual é a vantagem de fazer da própria casa um campo de batalha? A vida nesse nosso mundo conturbado já anda bastante hostil, para que transformemos também o nosso lar num espaço de disputas de poder, não é, não? E os filhos… Ahhhhh… Os filhos são compromissos amorosos que assumimos voluntariamente para a vida inteira. Sendo, assim, cuidemos de oferecer a eles um ambiente onde se possa aprender o que nenhuma escola é capaz de ensinar: as divergências são também formas de amar, quando incluem demonstrações genuínas de interesse, cuidado e respeito!

Imagem de capa: shutterstock

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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