Título original: “Chapa- sem falas”
O chão foge debaixo dos pés. A pressa torna-se a melhor companheira.
São sete da manhã; mas é como se ainda fosse madrugada nas cabeças da gente que tortura os dias para esquecer a fome.
Apanhar o chapa é mais difícil que ir à pé, pensei. Mesmo que esta verdade não constitua a realidade.
– ” Xipamanine-Praça dos Combatentes”
-Uma voz gutural anunciava.
Depois de muitas horas de luta, finalmente entro no chapa, a primeira coisa que procuro é sossego.
“Saia daqui. Se não queres ser tocada, por que não sobes o teu carro?” Alguém reclamou muito nervoso.
Calei-me os nervos para não arranhar a razão.
Há muita coisa nesta vida de que se pode e deve reclamar: menos dos cheiros que há num chapa. Ali vale tudo; uma dança de cheiros sem fim.
Encosta não encosta, pisa e não pisa, ali a regra é outra: ser-se servo da incompreensão.
Na paragem seguinte, sobe uma senhora e em voz alta fala com o motorista:
“João uhu bom?! Há quanto tempo. Pensei que não era mais você esta via.”
O silêncio reinou naquele espaço, fez Vida e luz na curiosidade roubada dos viajantes. Todos admirados com a fala da senhora.
Era atraente e todos queriam saber como ela conseguia se expressar daquele jeito tão particular, próprio das coisas diferentes.
E o motorista responde segurando a boca para não soltar uma gargalhada mal-educada:
“Isso é impossível. Esta via me dá sorte dona Luísa.”
Estendi os ouvidos para o ferro que separava as cadeiras de trás, queria enganar a distância com a conversa alheia.
Nesse dia, não era sobre política nem desporto… diálogos típicos de um chapa.
Era sobre sexo.
Alguém que mal dormiu resolveu fazer aula no chapa.
Um rapaz a descrever de forma pouco educada as “maçãs” que já experimentara. É verdade, para este assunto há indisciplina mesmo com arranjos gramaticais, figuras estilísticas e singulares entoações vocais.
Será que devemos dizer tudo e a todos e em todo lugar? Modos, moldes e opiniões habitam em cada um de nós. Mas certamente não seja esse o mal. Certamente o mal haja na própria acção de termos que nos encontrar sem dar por isso em nós.
Mostrando-nos em primeiro lugar, a nós próprios, rostos anónimos e, dando aos outros as suas reais aparências.
Um refúgio para os que querem desabafar com desconhecidos sem riscos correr de ver as suas vivências publicadas a terceiros.
Um esconderijo bastante rijo. Gozamos da autonomia da fala completa: diz-se tudo sem se olhar a quem.
A graça natural de uma sociedade sem grades, o Tempo a acontecer, as pessoas a fruírem o que a sua suposta liberdade lhes traz e trai.
No chapa há Vida sem tabus nas vidas dos passageiros. O verdadeiro domicílio de uma parte da sociedade flutuante.
Hirondina Joshua
Nasceu em Maputo, Moçambique, a 31 de Maio de 1987.
Está integrada em várias antologias, revistas, jornais, sites, blogues nacionais e internacionais. Teve Menção Extraordinária no Premio Mundiale di Poesia Nósside 2014.