– Mãe, me conta uma história? – pediu-me Yuki, meu caçula de oito anos, ontem antes de dormir já que havíamos acabado de ler Reinações de Narizinho e o assunto, aparentemente, havia se esgotado.
– Eu não sei, Yuki… – falei enquanto pensava – Tipo qual? – sondei.
– Pode ser aquela da Chapeuzinho Vermelho…- respondeu-me ele.
– Conte-me você essa historinha para eu saber se você entendeu bem o enredo.
E daí, ele me contou o que todos estão carecas de saber. Mãe, doce, Chapeuzinho, Lobo mau, vovozinha, caçador…
– Tudo errado, meu filho. Não é nada disso. – falei ao final. – Deixe-me eu te contar a verdadeira história. Para começar, jamais o Lobo chegaria primeiro na casa da vovó que a Chapeuzinho porque ela era campeã em corrida na escola e nem o Flash seria capaz de alcançá-la.
– Jura? – estranhou ele.
– Claro que juro. E eu já menti para você alguma vez?
E lá vamos nós…
Era uma vez, uma mãe muito trabalhadeira e que, por sua vez, tinha uma mãe que morava mais ou menos perto e que estava doente: a Vovozinha. Essa mãe pediu para Chapeuzinho, a campeã de corrida na categoria infanto-juvenil em 200 metros rasos e alguns quilômetros profundos, levar a marmita para a vovó.
No meio do caminho, ela encontrou o Lobo que estava não com fome, mas sedento por uma companhia. O Lobo era um sujeito com uma conversa muito boa e extremamente simpático e foi logo se apresentando e puxando assunto. O sorriso, não economizado por ele, encantou Chapeuzinho (que nunca ouviu os conselhos de sua mãe e adorava conversar com estranhos que, percebia Chapeuzinho, eram muito mais interessantes que os normais).
Papo vem papo vai, rolou um clima bom entre eles.
O Lobo possuía olhos grandes que observavam com doçura as falas de Chapeuzinho. Suas orelhas pareciam aumentar de tamanho ao ouvir de forma tão atenciosa tudo o que aquela menina explanava. O nariz do Lobo não acreditava que estava diante do melhor cheiro que havia sentido em sua vida. E a boca do Lobo, ah a boca do Lobo… era carnuda e profanava coisas em que jamais Chapeuzinho pensara a respeito… Meodeos, como o Lobo era inteligente…
– Mas ele não queria comer a Chapeuzinho? – interrompeu-me Yuki de forma certeira.
– Ô. E se queria, Yuki. – respondi olhando para o teto cheia de devaneios.
De repente, me dei conta (em tempo de não causar um estrago) que estava ao lado de uma criança. Então emendei:
– Mas não no sentido ruim da coisa, meu filho. No sentindo bem metafórico. Tipo assim, ele queria saborear Chapeuzinho mas como saboreamos um doce. Um sorvete, melhor dizendo, já que não mordemos e nem trituramos o sorvete e sim deixamos que ele se derreta todo dentro da gente. Entende? Percebe a diferença? Então…
Acabou que os dois se apaixonaram e Chapeuzinho convidou o Lobo para ir até a casa de sua Vovozinha. A Vovozinha era uma senhora muito cheia de medos e preconceitos. Ao ver sua neta com aquele sujeito diferente opôs-se sem pestanejar àquela união e começou um bate-boca daqueles na choupana. Foi um quiprocó dos diabos.
Sem que Chapeuzinho e o Lobo percebessem, Vovozinha pegou o celular e ligou para a milícia. Em poucos minutos, chegou o Caçador, apelido dado para o miliciano mais ignorante da região, que mal entrou no recinto já começou a atirar no Lobo.
– Ele morreu? – perguntou Yuki com carinha tristonha.
– Ah não, Yuki… O Lobo era faixa preta em Jiu-Jitsu. Imobilizou o Caçador sem muita dificuldade.
Depois, pegou a Chapeuzinho e foram viver em paz no meio de uma linda floresta.
Até hoje, nas noites de lua cheia, nova, minguante e crescente, há quem ouça uivos de felicidade da Chapeuzinho.
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