Por Nara Rúbia Ribeiro
“Felicidade se acha é em horinhas de descuido”
Guimarães Rosa
A pressa cotidiana nos sufoca os sentidos. Já não vemos direito. A beleza do mundo nos passa sem que a percebamos, as cores já não fazem mais efeito, as delicadezas nos fogem por completo à observância. Mal sentimos o sabor das refeições. Comemos rapidamente, olhando a TV, chegando o celular, observando a contagem do tempo para voltar ao trabalho, já não há tempo para saborearmos a vida e ela segue, como se insípida. Nossos ouvidos andam destreinados a ouvir o que não é o necessário, o que não é o essencial. Se o seu filho te diz: “mãe, olha que lindo aquele azul em torno da nuvem!”, adivinha? Você nem o escuta. Afinal, nos ouvidos precisam estar livres para ouvir as coisas sérias do mundo. Os nossos dedos já não buscam a espessura do que tocam, a leveza do que afagam… Nosso olfato anda descordado para as essências mais sublimes. Então, exercitemos a calma… Serenemos o espírito e façamos o seguinte exercício.
Vale caminhar, ao menos uma vez por dia, sem a pressa do agora. Lentamente. Ver as frestas dos muros. Talvez exista vida nas frestas dos muros. Que insetos vivem ali? Como vivem. O que será que eles fazem enquanto você passa por eles, sem dar fé de suas existências, todos os dias? Os espaçamentos da calçada… A senhora que caminha devagar do outro lado da rua. A criança que chora e grita para que a sua babá a leve no colo: – Vai andando mesmo, já é mocinha! O branco encardido do meio-fio. Tudo isso integra a sua vida e você nem se apercebe disso.
Seguramente uma resposta imediata pode dar a você ares de quem detém as soluções do mundo em prontidão, no cérebro. Contudo, essa resposta não trará ao interlocutor a sensação que, certamente, você deseja causar. Quando você responde muito rapidamente, você supervalora a resposta em detrimento da pergunta. Se você para, medita, faz uma pausa antes de responder, você valoriza a conversa, dá ao outro a sensação de que o que perguntou é algo importante que merece ponderação. E isso fortalece os laços entre vocês. Mas, o mais importante, é que você poderá, mesmo, pensar melhor no que responder. Muitas respostas prontas transformam-se em pesadelos eternos… Responda lentamente pesando a intensidade e aferindo a dimensão de cada palavra.
Quando você consegue estar ao lado de alguém em silêncio, mas percebe que o silêncio não é lacuna. Que o silêncio apenas adorna o momento, enfeita a circunstância, alicerça as palavras que ainda virão. Você percebe que o silêncio pode dizer muito. Pode ser elo. Pode ser o corolário de um sentimento que, de tão grande e intenso, não necessita, no momento, da concreção de qualquer palavra. Então você olha o silêncio com a calma de quem está de flerte com a vida, num namoro com o que ela tem de eterno e encantado. Você não tem pressa para dizer nada. Tudo está dito e é infinito.
Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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