Com tanta gente apontando o dedo, quem estende a mão é suspeito.

Eu também não sei como, não sei por quê, mas tem dias em que todos os babacas do mundo parecem ter saído de casa juntos, ao mesmo tempo, com a honrosa tarefa de encher o saco dos outros, numa espécie de mobilização coletiva contra a paz e a tranquilidade geral.

Nesses dias, a gente já sai de casa tomando porrada. Encontra de cara o vizinho mais mal encarado bufando como um dragão por você existir e estar ali. Mas a gente insiste. Diz “bom dia” ao porteiro e ele abaixa a cabeça sem responder. Passamos o dia sofrendo toda sorte de aporrinhações. No trabalho, na rua, no caminho, em qualquer lugar tem sempre alguém querendo briga.

Não é presunção acreditar que uma nuvem negra trovoa sobre nossas cabeças e que o grande propósito dos idiotas é atravancar a nossa vida. É fato! Os patifes estão mais soltos, à vontade para fazer das suas, livres para aborrecer. Não suportam a ideia de serem os únicos aborrecidos na face da Terra, então saem por aí dispostos a aporrinhar. Já os bem intencionados estão em desvantagem, escondidos em suas casas, reprimidos em si mesmos. Reconheçamos: apontar o dedo é mais fácil que estender a mão. Promover intrigas, escolher culpados, permitir julgamentos imediatos, tudo isso é bem mais simples que refletir, ponderar, conciliar.

Verdade é que dificultar as coisas é o negócio mais fácil do mundo. Não precisa muito, não. É só fechar a cara, acelerar contra quem estiver na sua frente, buzinar para os mais lentos, gritar com os mais fracos, bajular os mais fortes, falar mal dos outros, pelas costas ou pela frente, seja uma verdade ordinária ou uma bruta mentira. Pronto. Você já ajudou a atravancar a vida.

Experimente responder a uma pergunta, qualquer uma, com má vontade e grosseria. Faça corpo mole com os colegas. Posicione-se com frieza e antipatia diante de toda gente. Distribua patadas. Seja um cavalo! Estrague as coisas como puder. Faça o teste. É o que há de mais fácil no mundo.

Coisa mais simples, bagunçar a serenidade alheia não requer prática, habilidade ou carteira de motorista. Basta sair por aí caminhando pesado, pisando os pés dos outros, mal encarando as crianças, chutando cachorro, furando fila, evitando olhar nos olhos de qualquer pessoa.

Sei não. Mas eu tenho a impressão de que tornar a vida mais difícil é assim tão fácil por um motivo banal: viver sempre foi a maior dificuldade. Estar na vida é complexo desde sempre, um gesto da maior gravidade. Portanto, atrapalhar o rumo das coisas é uma indecorosa moleza. Requer o mínimo esforço.

O sujeito faz xixi fora do vaso, depreda o patrimônio público, estaciona seu carro em fila dupla, inventa histórias para prejudicar os outros, distribui grosserias e ofensas, impõe sua verdade na força, prefere o roubo e não o trabalho, a discórdia em lugar da compreensão, o ódio em vantagem sobre o amor. E danifica sem mais o tecido delicado da vida. Porque é muito, mas muito mais simples destruir do que construir.

Dificultar é sopa. Duro é descomplicar, compreender, ajudar a quem precisa, deixar fluir. Ahh… mas é verdade. Eu tinha me esquecido. Com tanta gente apontando o dedo, quem estende a mão vira suspeito e será acusado de pretender alguma coisa em troca. Pois é. Melhor deixar pra lá. Fazer o que todos fazem é mais fácil, ainda que o “mais fácil” transforme o mundo aos poucos na maior dificuldade. Uma pena. Uma pena.

Photo by Annie Spratt on Unsplash

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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