Eu me lembro que durante a minha adolescência e início da idade adulta eu sempre ficava admirada ao presenciar pessoas que tratavam de um tema com total convicção. Lembro que, naquelas ocasiões, eu me questionava sobre como era possível que essas pessoas fossem tão assertivas e, na sequência, pensava que um dia eu também gostaria de ser capaz de falar algo com tanta certeza, pois, imaginava eu, para ter tanta firmeza ao falar a pessoa teria que ter um vasto repertório teórico e/ou de vivências relacionadas aquele assunto.
Conforme eu mesma amadureci, a vida me mostrou que as afirmações serem fruto de preparo e experiências é apenas uma das possibilidades de entendimento desse conhecimento. Então, eu também percebi que muitas pessoas usam das tais “certezas” de formas menos racionais e entendi que “sair gritando a própria verdade”, muitas vezes, é um ato que camufla traços de personalidade ligados a imaturidade emocional e intelectual, falta de empatia, mecanismos de defesa psicológicos, transtornos psiquiátricos, discursos ideológicos, táticas de manipulação e intimidação, entre muitas outras possibilidades.
Além disso, ainda podemos falar no EFEITO MANADA, que é a tendência das pessoas de copiarem o comportamento grupal. Eu e o Felipe Souza falamos sobre isso no Podcast que tratava do BBB21. (Aproveito e convido o leitor para seguir nossos episódios semanais. O nome do podcast é “Run, Forrest, Run!”, espaço que trata de assuntos contemporâneos de forma leve e divertida. Ele está disponível gratuitamente nos principais agregadores).
Sendo assim, fica fácil de perceber que, com exceção das pessoas que usam do discurso certeiro e inquestionável como forma de manipulação pessoal e de massa (esses, inclusive, tentam impedir a todo custo que as pessoas tenham acesso a formas diferentes de pensar para manter seus alvos reféns do que dizem ao distanciá-los da família e do acesso à informação sempre que possível), as outras pessoas que mostram-se “donas da razão” costumam possuir características frágeis que ficam cada vez mais claras em:
– posicionamentos cheios de ódio (ou seria medo?): o ódio explicitado com frequência é sinal de desequilíbrio com relação a si mesmo e/ou ao tema. Nesses casos, uma das estratégias é atropelar ao outro o mais rápido e na maior intensidade possível para que a pessoa não tenha como se defender. Essa agressividade extrema, tão presente nos discursos de internet e recentemente tão bem explicitado em realities shows como o BBB21, deixa claro como os agressores ameaçam porque se sentem ameaçados, torturam porque já foram torturados, humilham porque um dia foram humilhados, etc.
A violência do ato, entretanto, ao invés de por fim ao ciclo, apenas o alimenta porque medidas extremadas geram reações extremadas e o resultado é mais ressentimento e mais ódio. (É só observar o ódio dos brasileiros com relação as pessoas que assumiram a posição de agressores no BBB21).
– incapacidade de ouvir o outro lado da história: a baixa empatia, quando não vem diretamente atrelada a uma personalidade com traços de sociopatia, pode ser o resultado de uma pessoa que tem muito medo de lidar com o diferente (a ponto de não conseguir se colocar nem mesmo minimamente em seu lugar). Às vezes uma personalidade frágil e imatura prende-se desesperadamente a ideais prontos de alguns grupos, religiões e causas, porque grupos fechados apresentam uma cartilha pronta do que deve ser falado e do que deve ser rejeitado (às vezes até mesmo do que é permitido que seja sentido).
Nesses casos, é como se a pessoa fosse um camaleão que se aproxima de um grupo e/ou local, que lhe empresta as cores e lhe confere uma identidade provisória para lidar com a vida). Além disso, conteúdos prontos são ótimos escudos para lidar com as dificuldades da vida. Esse tipo de pessoas, infelizmente, atrapalha muito mais as “causas” do que as ajuda.
Assim, tanto a ignorância com relação aos sentimentos e direitos do outro quanto a violência com relação a formas diversas de pensar aumentam o distanciamento entre as pessoas, não fica possível um momento de intersecção, e nem o “caminho do meio”, que costuma ser o tomado pelas pessoas mais ponderadas e que ouvem mais de uma versão dos fatos.
Estudiosos da internet afirmam que esse agravamento do distanciamento entre as pessoas foi um dos resultados dos algorítimos aplicados nas redes sociais que mostravam nas “linhas do tempo” de seus usuários a maior quantidade possível de assuntos e pessoas que tinham visões de mundo semelhantes entre si. Ou seja, um número nunca antes visto de pessoas foi exposto a conteúdos que, direta ou indiretamente, alimentavam suas crenças (inclusive as fantasiosas, como as teorias da conspiração e o negacionismo científico), posicionamentos políticos, e medos. Isso, como vocês podem assistir no documentário “O Dilema das Redes”, disponível na Netflix, causou um reducionismo de perspectivas e alienamento coletivo com relação ao outro.
Assim, se pensarmos um pouco, não fica difícil imaginar o que pode acontecer quando montamos grupos de pessoas com fragilidades semelhantes, as alimentamos com conteúdo manipulador, como é o caso das fakenews, e fazemos com que elas acreditem que há países, partidos e pessoas específicas que querem destruí-las? Qual o tamanho do poder daqueles que sabem como usar as ferramentas para dividir pessoas e formas verdadeiras arenas onde cidadãos comuns tornam-se gladiadores programados para oferecer até mesmo a própria vida em nome de uma ideia? (como aconteceu recentemente com grupos radicais que atacaram a Casa Branca, nos EUA). E, digo mais, quando foi que toda e qualquer pauta humanitária se tornou sinônimo de comunismo?
E digo mais, se antes valia pelo menos o discurso “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, (que mostrava a hipocrisia de quem sabia que, mesmo que se fizesse algo diferente, havia uma outra maneira de pensar e agir) agora o que existe é uma legitimação de um exército de pessoas que foram agrupadas em suas fraquezas humanas (que deveriam ser normais, pois todos nós temos algumas), adquiriram proporções monstruosamente estereotipadas e hoje têm nomes de partidos, teorias pouco prováveis ou mesmo causas nobres, mas que são usadas de maneira deturpada.
Por causa disso tudo eu não olho com cara feia pra quem assiste um programa bobo de entretenimento como o BBB21 (todo mundo tem direito de ver a besteira que quiser quando chega em casa). O que contrai os músculos da minha face, entretanto, é ver que os participantes do programa também somos nós, até mesmo quando a produção, como dizem as más línguas, esporadicamente os manipula.
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