Manhã de segunda-feira. Os dois no trabalho. Ele tenta, mas não disfarça que gosta dela. Do nada o cara começa a disparar perguntas consecutivas para a moça, que sequer acordou direito ainda. Pergunta quais livros de determinado autor ela leu. Detalhe hediondo: enquanto isso ele checa o assunto no Google para certificar-se de que ela está correta. Em seguida, mais indagações. A mesma pergunta, mas agora sobre outro autor. E continua até chegar em uns dez autores.

Ele é exigente. Sua taxa de amostragem é alta. Em momento algum desconfia que está abusando. Após isso, cansa-se da Literatura e parte para obras filosóficas e períodos históricos. Ela começa a sentir-se mentalmente cansada. Muito conhecimento recrutado em pouco tempo. É como se ela estivesse fazendo uma prova discursiva.

Não consegue cortá-lo depois que as horas de inquérito avançam, mas não esconde o incômodo de ter uma conversa que não gostaria de ter, que não flui. Ficou a pensar se haveria uma punição caso interrompesse a chatice, dissesse “agora não” ou mesmo respondesse um seco “não sei”. Como tem dificuldade em dizer “não” ou cortar pessoas inconvenientes, ela sofre desnecessariamente.

Ele não discorre bem sobre nada, mas tenta bravamente. Solta palavras ao vento e pergunta o que ela acha sobre aquilo. Se não concordar, começa a azucrinar e usar os argumentos que aprendeu no Facebook. Ela que aprendeu sobre argumentação e retórica há tanto tempo na faculdade saca o quanto ele é raso e pueril. É bom não aprofundar nada com ele, pois quer respostas e soluções fáceis para tudo. No dia anterior disse a ela que não era humanista, sem mais nem menos. Agora eu pergunto: para que alguém vai dizer isso, meu pai? Ele quer convencer, todos estão notando, mas como se perde!

Pergunta quais livros de outras áreas ela leu (uma garota inteligente lembraria disso?), bem como quais de sua área de formação ela mais gostou de ler. Como assim quais livros de sua e de outras áreas já leu? Será que ele desconfia da abrangência dessa pergunta? Ou que, modéstia à parte, a moça já leu tantos livros que não saberia sequer por onde começar?

Hora do almoço. Higiene dentária. Retocar a maquiagem. Novo turno à tarde. Os dois voltam ao trabalho. Ele, impiedoso, começa a recitar trechos de poemas decorados para todos da sala ouvirem, além de fazer a interpretação, claro. As palavras são tão profundas quanto um pires. Ela envergonha-se por ele.

O tempo não passa. O expediente está apertado, todos muito atarefados e ele a tagarelar. Não há percepção nenhuma da inoportunidade, impressionante. Essa é a autêntica chatice. O chato não percebe quando é inconveniente, não enxerga os sinais de que o outro não está querendo a conversa e ainda assim insisti em continuar. Não há percepção do outro, só de si. O outro afasta-se, o papo não ecoa, a sintonia nunca chega. Ninguém pergunta nada, mas para o chato está tudo bem.

Todos em volta parecem constrangidos em chamar a atenção dele ao trabalho. Ele descreve-se conservador, enquanto a moça é afinada com modernidades. Ele franze a testa e parece desaprová-la. Começa a digredir sobre as principais áreas humanísticas numas afirmações bem superficiais. Uau! Quanto tempo falta para ir embora?

Ele se inspira e elogia a área da menina, assim como diz que seria um profissional apaixonado caso fosse da área dela. Ah, enfim uma gentileza! Finalmente ele lembrou que precisava ser gentil ou agradá-la em algum momento, depois de tanta amolação. Fim de expediente. Ufa! Ambos seguem para casa. Ela, com uma tímida enxaqueca e fadigada do dia. Ele, não se sabe. Certamente devia estar admirado consigo depois da performance. Tantos conhecimentos verbalizados alhures! Ele pensa ser intelectual.

Meados da noite, passado o cansaço mental, a moça não leu um dos tomos de filosofia política de Hobbes ou o Decameron de Boccaccio. Foi cuidar dos seus gatinhos, assistir ao canal de humor no Youtube e ler o livro de contos que está devorando no momento (Rubem Fonseca é o maior!). A vida é mais simples do que supomos. Saldo do conquistador: nefasto. Acaso uma moça gosta de se agarrar com quem não tem pudor de mostrar-se soberbo competidor dela?

Diálogos intelectuais forçados definitivamente não são a melhor forma de conduzir uma paquera, dar uns beijinhos ou conquistar o coração de alguém. Chegar na moça sem afeto ou gentileza é um tiro no pé. Deixar uma primeira impressão de pessoa sem humildade e levar até as conversas que poderiam ser mais leves num tom professoral acabam por afastar pessoas.

Decerto que nesse jogo de conquista há outras qualidades também importantes – a leveza, a educação, o charme, por exemplo. É uma equação de difícil resolução, pois mulheres têm consciências diferentes, o humor influencia, a beleza do menino também conta … Enfim, a vida é um prêmio, mas viver não é fácil.

Tantas são as pessoas no mundo que as relações precisam de algum critério para iniciar e permanecer. Quando elas acontecem e duram, dão-nos força e felicidade, fazem valer a nossa rápida existência. Além disso, pessoas podem não ser grandes intelectuais, mas terem outras inteligências e sabedoria em suas formas de vida, algo que parece bem mais interessante. Portanto, é bom ficar tranquilo na hora de ganhar um amor. Devagarinho é melhor. Se a coisa prosperar, o outro terá tempo para conhecer as qualidades, o intelecto e haverá mais trocas saudáveis no seu devido tempo. Em tempo: no seu devido tempo significa tempo futuro.

Denise Araujo

Sou Denise Araujo e não tenho o hábito de me descrever. Não sei se sei fazer isso, mas posso tentar: mais um ser no mundo, encantada pelas artes, apaixonada pelos animais, sonhadora diuturna, romântica incorrigível, um tanto sensível, um tanto afetuosa, um tanto criança ...

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Denise Araujo
Tags: conquistar

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