Não, eu não estou deixando as linhas tortas do devanear para seguir a linha reta das fórmulas prontas. Esse texto não é um conselho, tampouco um manual. É mais como aquela reflexão que você joga no ar, que fica maquinando na sua cabeça e você tem que contar para os amigos no bar.
Tipo quando você descobre uma nova fórmula para matar baratas ou espantar pernilongos, e sabe que nem todos vão fazer, ou que não daria certo para todo lugar, mas, ainda assim, na sua empolgação juvenil, resolve soltar seus espasmos de percepção por aí. É, como quase tudo, um tanto quanto singular, mas nem por isso deixa de ter um pouco de comum.
É que, como tudo e muito de muito bom, as provocações se espalharam por aí, e os provocadores, agora com a ferramenta fantástica de manter o anonimato para reforçar sua natureza covarde, estão disseminando seus veneninhos indolentes com uma amplitude cada vez maior.
Mas, que não nos confundamos, provocadores não são críticos. Há quilômetros, para não dizer anos luz – porque eu até gosto de exageros para variar – de diferença entre um crítico e um provocador, ou entre uma crítica e uma provocação.
Uma crítica se direciona a algo, porque o crítico foi capaz de adentrar neste algo, geralmente um trabalho, uma ideia, uma produção qualquer planejada ou materializada, e diante da sua visão, constrói um ponto de vista, que pode ser positivo ou não, embora hoje tanto associemos a crítica à depreciação. Não é bem por aí…
Já a provocação, ela tenta tomar uma coisa como desculpa, seja um comportamento, um trabalho, uma forma de pensamento, enfim, uma produção de qualquer natureza, mas direciona uma ofensa à pessoa que realizou ou manifestou esse “algo”.
Então, a crítica parte de algo, fala de algo e se direciona a algo, apenas indiretamente referindo-se ao alguém que produziu ou manifestou esse “algo”. A provocação atropela o “algo” e o usa como desculpa para se direcionar a alguém de forma ofensiva.
Estou sendo didática a contragosto, tão somente porque, honestamente, eu adoro a crítica e não quero ser mal interpretada. Mas a provocação, infelizmente para ela e seus adeptos, não conta com meu precioso afeto (#sarcasmo). Nem os bons, nem os maus. E está justamente aí essa iluminação que me passou hoje pela cabeça – quando eu sentia um pequeníssimo incômodo, como um infeliz que tivesse pisado descalço em uma barata -, diante de uma provocação anônima e incoerente, daquele tipo que qualquer um de nós, quando magoados, podemos ter o infortúnio de fazer depois de uma noite de bebedeira. Bom, faz parte… a autocrítica.
Assim como pisar em uma barata, fica o nojinho, fica o asco, por algum tempo, talvez, no caso da barata, até por alguns dias, mas logo se esquece disso. Não muda muito nossa vida, pode até nos ajudara aprender a pisar com mais cuidado, ou prestar bastante atenção em onde é “seguro” pisar descalço ou não. Lidar com a provocação é mais ou menos por aí.
A provocação nada diz respeito a quem foi provocado, mas sim ao provocador. Ela é uma espécie de pedido carente e desesperado por atenção e afeto, vindo de alguém que não dá conta de manifestar seu afeto ou conquistar a atenção alheia. Quer por decreto e imposição ser visto e amado, ainda que seja pela via do ódio. O que o provocador demanda ao provocado é um pedido de relação, de intimidade agressiva, de um lugar especial e de destaque na cabeça daquele a quem ofende.
Assim como os tímidos apaixonados loucamente, esses românticos e eloquentes, que fazem disso beleza e poesia, mas não tem coragem de se declarar ao seu amor, o provocador anônimo também tem esse receio. Ele quer muito inocular seu veneno no interlocutor, mas tem medo de mostrar a cara, tem medo de assumir essa emoção forte e dilacerante que ele sente, que no caso, não é bem amor, talvez lá no fundo seja, mas diferente do apaixonado eloquente, esse amor que ele mesmo não aceita se manifesta na forma de frustração.
Por uma identificação nada assertiva com o provocado, ele vê nele um espelho distorcido, aonde reflete seus próprios defeitos, dolorosos demais para serem assumidos na lata,e tanto mais arrepios sente diante da responsabilidade em lidar com isso. Um “Deus me livre!” ou algo dessa natureza passa rasteiramente pela cabeça do pobre coitado, só de pensar em ter que encarar a si próprio, com todas as suas cicatrizes, inseguranças e incertezas para lidar. O provocador é um preguiçoso.Ele não quer ser melhor do que ele mesmo: prefere tentar rebaixar os outros para que eles cheguem ao mesmo nível que ele.
E é aí que me veio à mente aquele conselho de mãe, tipicamente ouvido na adolescência: ignore. Sim, ignorar. Dar ao provocador um silêncio profundo, um esquecimento desafetado, no máximo um sorriso sarcástico, ou daqueles que pedem desculpa sem culpa, no caso de ele se mostrar e não poder ser, como acontece virtualmente, integralmente ignorado.
Quando respondemos a um provocador, estamos aceitando a sua proposta de casamento. Ele goza com isso como um apaixonado diante da reciprocidade. Ele conseguiu! “Agora você é meu!”, até que a sorte nos separe. Por outro lado, quando obrigado a lidar com um silêncio infinito, não resta a ele nada além de sua própria persona, de se sufocar com o próprio veneno, de degustar da própria vileza, que não encontrando outra direção retorna a ele mesmo.
A vida é curta demais para ter tempo de responder às provocações. Há afetos muito mais belos e frutíferos para disseminar por aí. A provocação é como uma erva daninha que toma conta até de quem não tem nada a ver com a história amorosa do ofensor e seu potencial ofendido. Não nos ofendamos com a provocação. Ela é só uma forma de afeto desacertado, mal resolvido, desprovido de qualquer nobreza: no máximo é da ordem da covardia.
Aos provocadores, deixemos o nosso silêncio para não ocupar o espaço de respondermos aos nossos amores.E apenas quando for o caso, quando for possível e até inevitável, carreguemos desse tropeção um aprendizado para a vida, sobre aquele cuidado em não pisar descalço nas baratas, que pior para elas mortinhas da Silva, em nossos pés deixam apenas um nojo passageiro.