Nos primeiros vinte anos da existência, não é preciso criar aforismos para explicar a juventude. Cada parte do corpo explica o que ela é – e nem pensamos no que significa. Porque na verdade, ser jovem, significa ser portador de um estado natural de ser o que se é.
Tal como o fruto de uma árvore, ser, pensar, viver, agir, e reagir, segundo esse impulso ordinário de vida não requer nenhuma explicação. O problema vem depois.
Conforme os anos passam nos detemos para examinar melhor essa tal de juventude e gastamos tempo conferindo se ainda somos jovens, tendo como parâmetro alguma atividade ou algum desempenho.
Os caracteres físicos são excelentes indicadores, e paralelamente a eles, descobrimos o nosso processo de seleção natural para fazer escolhas que, antes, não fazíamos. Tornamo-nos seletivos para estabelecer aonde vamos e com quem vamos.
O tempo parece ser breve para fazer aquilo que a gente gosta de fazer, mas parece extraordinariamente longo para aquilo que a gente NÃO gosta.
Outra característica levemente estranha: os dias são longos, e os anos são curtos. Pela primeira vez o tempo se torna relativo. Então, nos perguntamos: o que está acontecendo?
Ainda não somos velhos, estamos apenas naquele período que vai dos 30 aos 40, talvez um pouco menos, talvez um pouco mais, que nos define como levemente maduros. Observamos uma espécie de acomodação e sossego que quase nos leva ao sedentarismo.
No auge da juventude topamos qualquer parada: acompanhar o amigo numa viagem, ajudar numa mudança, fazer uma pescaria, consertar o telhado da casa, de forma que estamos sempre indo, ou voltando, de algum lugar.
-Fazemos porque gostamos?
-Fazemos porque nem passa na nossa cabeça NÃO fazer.
Fazemos porque não custa nada. Nada além do tempo.
O tempo, na juventude, é um tesouro inextinguível: quanto mais você saca, mais parece aumentar. Temos todo o tempo do mundo para o que o OUTRO precisa, e ainda sobra, para o que NÓS precisamos.
Qualquer academia nos proporciona essa observação e aprendizado: os jovens cumprem as séries do seu treino de exercícios sempre em dupla, gastando o dobro do tempo que qualquer ser maduro dedica àquele ambiente, feliz da vida de ir embora o mais rápido possível, depois de ter completado a obrigação diária.
Mas um dia, esse jovem já não tão jovem, se descobre mais lento e menos disponível. As “paradas” passam a ser rigorosamente ESCOLHIDAS porque a energia – que já não é mais a mesma – deve ser canalizada para as coisas que realmente importam a cada um, e não ao coletivo.
A natureza das pessoas e das coisas que se distinguem pela inclinação de temperamento, antes que para a utilidade, começam a se estabelecer.
Alguns gostam disso, outros gostam daquilo, e quem gosta disso NÃO quer mais fazer aquilo, já que, na maior parte do tempo, as atividades da vida adulta terão que ser cumpridas COM ou SEM o nosso querer.
Já não há mais um estoque tão grande de disposição para a demanda do outro, a menos que elas sejam absolutamente necessárias. É o período em que o final de semana demora a chegar, e QUANDO CHEGA, PASSA, e é preciso aproveita-lo com as cores mais bonitas da paleta do nosso arco-íris.
A juventude vive intensamente todos as horas, de segunda a sexta, até as últimas badaladas do domingo, mas não interpreta o final de semana com individualidade, porque vive gostosamente qualquer situação, com o estoque máximo de energia, e a disposição de ser feliz, com o que der e vier pela frente.
Mas um dia, chega o segundo estágio, e a pessoa já não tão jovem, precisa criar mecanismos que lhe garantam um pouco de felicidade nas horas de folga.
Nessa fase que se instala após os 40, um pouco mais, um pouco menos, adquirir filosofia, como quem compra remédio na farmácia, parece ser um caminho natural.
A FILOSOFIA NÃO É GARANTIA DE FELICIDADE, MAS É UM MANUAL QUE CADA PESSOA CRIA PARA SI A FIM DE NORTEAR AS SUAS ESCOLHAS E APAZIGUAR OS SEUS CONFLITOS.
A filosofia FEZ e FAZ muitas pessoas se salvarem da decadência da alma, não permitindo que a resistência diminua, que a busca se encerre, ou que a esperança se acabe.
Pablo Casals, foi um músico catalão, que também buscou na filosofia uma interpretação menos óbvia para o conceito de juventude: “Enquanto você conseguir admirar e amar, será jovem para sempre.”
Eis aqui um conceito filosófico que ele criou e compartilhou com a humanidade. É composto por dois pilares: a admiração e o amor. A admiração é prerrogativa da infância – que ainda se conserva na juventude. A criança admira a flor e a teia de aranha com a mesma intensidade.
O mundo se apresenta novo a cada amanhecer e todos os sons, todos os cheiros, todas as cores, e tudo o que os sentidos conseguem substantificar são objeto da sua admiração. Uma criança admirada é uma criança normal.
Um jovem admirado também é um jovem normal, embora na juventude ele gaste mais tempo se auto-admirando, ou dirigindo a sua admiração para as coisas que gostaria de adquirir. O amor parece ser uma prerrogativa mais adequada à juventude.
Eu diria que é mais fácil amar na juventude do que na infância, por conta do egoísmo natural da criança que disputa sempre o mesmo brinquedo. O jovem “normal” normalmente pratica o amor. Ele quer e deseja um mundo melhor e para isso, se inspira em seus heróis e em seus modelos, para ser chamado de “cara legal.”
Pablo Casals recorre às raízes da infância, e aos anos dourados, para definir as âncoras que o manteriam jovem para sempre. Eu diria que ele está certo, mas não totalmente.
Ninguém está totalmente certo nessa tarefa impossível: estabelecer uma ação, reação, pensamento, ou disposição que o mantenha jovem para sempre. Se fosse possível faze-lo e acertar na mosca, não seria uma teoria, seria a fonte da juventude.
Como de filósofo e de louco todo mundo tem um pouco, eu também tenho a minha filosofia:
– enquanto você conseguir manter a sua independência física, mental e financeira, envolvendo aspectos como trabalho, domínio do corpo, da mente, e da conta bancária;
– enquanto você usufruir da sexualidade, fazendo dela uma fonte de prazer;
– enquanto cultiva ruma íntima comunhão com a Origem de toda sabedoria, será um velho feliz.
Se além disso, aliar a essa autonomia, a receita de Casals, que é a capacidade de se admirar e de amar, você será um velho feliz, admirado, amoroso e amorável.
E a juventude que se dane.
Quem precisa dela para viver?
Se você tem VIDA, não precisa ter anos.
Imagem de capa: Ruslan Guzov/shutterstock