Uma mulher que batalha por seus sonhos, se vira em mil e uma para dar conta da casa, dos filhos, do marido, do chefe; que tem uma vida sexual ativa e satisfatória, que paga suas contas e compra um vibrador com a mesma facilidade com que compra absorvente, simplesmente vai achar que a psicóloga Colette Dowling está louca ao afirmar em seu livro Complexo de Cinderela (Editora Melhoramentos) que “no fundo toda mulher quer ser cuidada e salva”.
Avançar as primeiras 40 páginas do seu livro é quase um suplício. Nada parece fazer muito sentido, entre outras coisas porque ela está falando de mulheres americanas (aparentemente conservadoras) que em plena década de 80 acreditavam, em seus íntimos, que somente um casamento podia ser a salvação de suas lavouras arcaicas.
Além disso, a narrativa é meio chatinha – muitos depoimentos, dados de pesquisa.
Todavia, à medida que respiramos fundo e avançamos na leitura é como se uma cortina se abrisse ante nossos olhos para um espetáculo que não queremos assistir: o medo da autonomia.
Uma mulher pode pilotar aviões, ganhar mais que seu parceiro, transar com quem quiser; ter amantes, comprar sapatos caros, chefiar empresas, porém isso não quer dizer necessariamente que ela tenha autonomia.
Ter autonomia significa dar sentido ao que de fato é importante para nós. É escolher com base nos nossos desejos e não com base no que o mundo espera de nós. E, claro, correr riscos! Aceitar responsabilidades e possíveis fracassos.
Segundo Dowling, nossa cultura não educa as mulheres para a autonomia, para encarar desafios e correr riscos. Espera-se sempre que as meninas sejam boazinhas, educadas, elegantes. A autora afirma que desde criança as meninas são mais protegidas que os meninos – enquanto as meninas são pegas no colo quando caem e recebem toda atenção e carinho, os meninos ouvem “não foi nada, só ralou o joelho, levante-se e vá brincar”. Nas palavras de Dowling:
“As meninas se convencem de que precisam ter proteção, sob pena de não sobreviverem (…) Esta primitiva indicação de ansiedade por parte da mãe – por alguns pesquisadores denominada supersolicitude apreensiva – leva a criança a duvidar de sua competência (…) Se para os meninos tarefas difíceis representam desafios, as meninas geralmente tentam evitá-las”.
Para a escritora americana, se antes o “Complexo de Cinderela” acometia somente as adolescentes que temiam abandonar o ninho, agora atinge mulheres adultas e bem sucedidas:
“Ele [o complexo] tende a atacar as mulheres já com curso superior, após terem experimentado o gosto do mundo. Quando as primeiras sensações inebriantes da liberdade se dissolvem, a ansiedade toma-lhes o lugar, as mulheres começam a se sentir incomodadas pelo velho anseio de segurança: o desejo de serem salvas (…) Obter sucesso, para muitas mulheres, gera pânico, porque traz ‘a ansiedade do desenvolvimento’, do desafio, do confronto”.
E conclui:
“A tendência feminina de apavorar-se de tal forma com a mera possibilidade de obter êxito causa o estrangulamento do próprio desejo”.
Sobre o casamento, Dowling sugere que a maioria das mulheres que abandonam seus empregos após contrair matrimônio o faz por uma necessidade inconsciente de simbiose:
“O fato é que, aparentemente, o casamento ainda oferece a muitas de nós uma válvula de escape – um refúgio da autonomia, selado com a aprovação social. Externamente podemos dar a impressão de ser mais libertadas, mas o profundo medo experimentado pelas mulheres empurra-as para uma existência simbiótica”.
Em diversos trechos do livro a autora afirma que o desejo da mulher de ser cuidada emerge do medo de não conseguir sobreviver sozinha.
Ela também aponta algumas arbitrariedades do feminismo e explica que muitas vezes o movimento consolidou, de maneira indireta, a ideia de dependência nas mulheres:
“O movimento feminista estava apenas começando na época, mas não enfatizava a noção de que às mulheres cabia assumir maiores responsabilidades por si mesmas. Pelo contrário: parecia sugerir que elas precisavam que se lhes dessem determinadas coisas – coisas que, tradicionalmente, lhes haviam sido sempre negadas: profissões, salários igualitários, direito de opinar a respeito de suas vidas… A ironia é que, ao passo que começamos a almejar mais, continuamos dependendo de outrem (de homens, em particular) para consegui-lo; queríamos liberdade, mas ainda não desejávamos a responsabilidade que segue”.
O livro Complexo de Cinderela apresenta dados estatísticos assustadores e fala bastante sobre medos, pânico, fobias, autossabotagem e dependência emocional. Mas, para além do desejo de ser cuidada – segundo a autora, intrínseco a toda mulher -, a questão que parece estar na base do problema é a autoconfiança e a ignorância para com a própria voz, os próprios desejos, ou seja, a autonomia.
O desafio seria nos tornarmos quem somos e não o que esperam que sejamos (ou nos ensinaram a ser) e não sentir culpa ou medo do fracasso quando não seguimos o modelo esperado pelos outros.
Uma leitura bastante indigesta, porém elucidativa.
(foto: Dina Goldstein)
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