Diagnosticada como sociopata, M.E Thomas é autora do livro Confessions of a Sociopath – A Life Spent Hiding in Plain Sight (Confissões de uma Sociopata – Uma Vida Vivida se Escondendo Bem à Vista, ainda sem edição no Brasil), lançado em maio nos EUA. No livro, ela, professora de direito e Catequista, conta como manipula e engana as pessoas ao seu redor, usando seu charme e a sua crueldade. Vale conferir:

“Talvez eu tenha um distúrbio, mas não sou louca. Num mundo povoado por seres melancólicos, negativos e medíocres, as pessoas são incrivelmente atraídas pelo meu excepcionalismo.

Esta é minha história: certa vez, em Washington DC, um funcionário do metrô tentou me repreender por eu ter usado uma escada rolante interditada. “Você não viu a placa amarela?”, disse. Respondi: “Placa amarela?”. “Eu acabei de colocá-la, e você deveria ter desviado”, retrucou. Seguiu-se silêncio, meu rosto estava sem expressão. O homem continuou: “Isso é invasão! É errado invadir! A escada rolante está fechada, você infringiu a lei!”. Continuei olhando para ele em silêncio. Visivelmente abalado por minha falta de reação, finalizou a conversa com um: “Da próxima vez, não use a escada rolante interditada, tudo bem?”.

Não, não estava tudo bem. Fiquei parada ali por um momento, deixando minha raiva chegar até a parte do cérebro que toma decisões e, de repente, me acalmei e me concentrei. Pisquei meus olhos, ajeitei a mandíbula e comecei a seguir o funcionário do metrô. A adrenalina corria pelo meu corpo, na minha boca, um gosto metálico. Minha esperança era que ele entrasse num corredor deserto onde eu o encontraria sozinho. Uma imagem invadiu minha mente: minhas mãos segurando o pescoço dele, meus polegares cravados em sua garganta, a vida dele escorregando pelas minhas mãos. Estava focada. Era a coisa certa a se fazer. Só sei que caí numa fantasia megalomaníaca. E, no final, o perdi de vista.

LONGE DA CULPA

Não fui abusada sexualmente na infância, não sou assassina nem criminosa. Nunca fui encarcerada nos muros de uma prisão, prefiro os cobertos de plantas. Sou uma advogada de sucesso, professora de direito e uma jovem acadêmica respeitada. Sempre escrevo artigos para revistas da área e apresento novas teorias legais. Doo 10% da minha renda para caridade e sou professora de catecismo aos domingos na igreja mórmon. Tenho um círculo de parentes e amigos íntimos que eu amo e me amam. Você se identifica com essa descrição? Estimativas recentes mostram que uma em cada 25 pessoas é sociopata. Mas você não é um assassino em série e nunca foi preso? Pois é, a maioria de nós tem esse perfil. Somente 20% da população carcerária é sociopata e, no entanto, somos responsáveis por cerca de metade dos crimes hediondos cometidos. A maioria de nós vive em liberdade e no anonimato, tem empregos, é casada e tem filhos.

Você ia gostar de mim se me conhecesse. Tenho um sorriso comum entre estrelas de TV e raro na vida real: brilhante, perfeito e cativante. Sou o tipo de companhia ideal para você levar ao casamento da sua ex — divertida e animada. Por ser bem-sucedida, seus pais me adorariam caso você me levasse à sua casa.

Talvez o aspecto mais evidente da minha autoconfiança seja a maneira com que mantenho contato visual, o que algumas pessoas chamam de “olhar de predador”. Sociopatas não se abalam ao serem observados ininterruptamente. Por não desviarmos o olhar educadamente, somos percebidos como agressivos ou sedutores. As pessoas ficam meio perturbadas, mas de uma maneira emocionante, que imita o despertar de uma paixão.

Minha infância foi de uma filha do meio, com um pai violento e uma mãe indiferente, e muitas vezes até histérica. Eu desprezava meu pai. Não podíamos confiar nele para sustentar a família — diversas vezes chegávamos em casa e encontrávamos a energia cortada porque a conta não havia sido paga. Ele gastava milhares de dólares em hobbies caros, enquanto colhíamos laranjas do quintal para comer de almoço na escola. O primeiro sonho recorrente do qual me recordo era eu matando meu pai. Havia algo de emocionante naquela violência; eu quebrando uma porta na cabeça dele sem parar, sorrindo, enquanto ele caía no chão, imóvel.

Eu fazia questão de não recuar em nossos confrontos. Certa vez, na adolescência, discutimos sobre a mensagem de um filme que havíamos assistido. Eu disse: “Você pode acreditar no que quiser” e saí. Entrei no banheiro, que ficava no alto da escada, e tranquei a porta. Sabia que ele odiava aquela frase (minha mãe já havia dito isso antes) e o fato de eu repeti-la representava uma nova geração de mulheres em sua casa que se recusava a respeitá-lo. Também sabia que ele detestava portas trancadas.

Sabia que tudo isso iria afetá-lo, e era o que eu queria. “Abra essa porta! Abra essa porta!” Ele fez um rombo na porta e eu pude ver que sua mão estava inchada e ensanguentada. Eu não estava preocupada com a mão dele, e também não estava feliz por ele estar machucado, pois sabia que o fato de ser arrebatado por tanta paixão lhe causava satisfação e que ele podia ignorar a dor e o sofrimento. Ele continuou abrindo aquele buraco na porta até que fosse grande o bastante para que ele pudesse enfiar seu rosto: ele sorria tão largamente que até seus dentes estavam à mostra.

Meus pais sempre ignoraram minhas tentativas explícitas e estranhas de manipular, enganar e induzir os outros. Não perceberam que eu me relacionava com coleguinhas de infância sem criar vínculos, tratando-os como se fossem objetos. Eu mentia o tempo todo e roubava coisas dos outros, mas, na maioria das vezes, enganava as crianças para que me dessem algumas coisas delas. Eu quebrava coisas, queimava coisas e machucava os outros.

Mas fiz o necessário para cair nas graças de todos e, assim, conseguir o que queria: comida quando a despensa da minha casa estava vazia, caronas quando meus pais estavam ausentes, ser convidada para festas, e o que eu mais ansiava: suscitar medo. Sabia que estava no comando.

 

FALTA DE AMOR À VIDA?

Agressão, tomada de risco e falta de preocupação com a própria saúde ou com a dos outros são traços da sociopatia. Quando eu tinha oito anos quase me afoguei no mar. Minha mãe me disse que quando o salva-vidas me tirou da água e me ressuscitou, minha primeira reação foi tentar dar uma gargalhada. Eu aprendi que a morte poderia vir a qualquer momento, mas nunca tive medo.

Antes do meu aniversário de 16 anos, fiquei muito doente. Geralmente não dizia nada para ninguém, porém, naquele dia, falei pra minha mãe que estava com pontadas abaixo do esterno. Após expressar sua exasperação costumeira, ela me deu um remédio natural e me mandou fazer repouso. Mesmo doente, fui para a escola.

Todos os dias meus pais me davam um remédio diferente; eu carregava uma sacolinha com antiácido, antitérmico e homeopatias.Mas ainda estava com dor. Toda a energia que usava para me integrar à sociedade e encantar os outros foi redirecionada para controlá-la. Parei de sorrir e cumprimentar as pessoas. Não filtrava meus pensamentos secretos. Dizia às minhas amigas como elas eram feias e o quanto mereciam tudo aquilo de mau que lhes acontecia. Sem energia para dosar, assumi minha maldade.

Minha dor no abdômen se transferiu para as costas. Meu pai examinou meu tronco e viu que algo estava errado. “Vamos ao médico amanhã”, disse. No consultório, o doutor falava num tom de indignação. Minha mãe ficou quieta, num estado semicatatônico, assim como ficava quando meu pai socava as coisas em casa. O médico perguntou: “Se você estava sentindo dor, o que fez nos últimos 10 dias?”. E, então, desmaiei. Quando recuperei os sentidos, escutei gritos e meu pai tentando convencer o médico a não chamar a ambulância. Vi o pânico estampado nos olhos dele. Fui para uma sala de cirurgia e, quando acordei, vi meu pai de pé ao meu lado. Meu apêndice tinha sido perfurado, toxinas vazaram em meu intestino, tive uma infecção grave e os músculos das costas gangrenaram. “Você poderia ter morrido.” Acho que minha sociopatia foi desencadeada porque nunca aprendi a confiar em ninguém.

MANIPULADORA PROFISSIONAL

Meus traços sociopatas fazem de mim uma ótima advogada de tribunal — a certa altura, trabalhei como procuradora no departamento de delitos leves do Ministério Público. Mantenho a calma sob pressão e não sinto culpa nem complacência, o que é muito útil num ramo sujo como este.

É comum procuradores de delitos leves entrarem num julgamento sem nunca ter visto o caso. A única coisa que se pode fazer é blefar e tentar enrolar até o final. Nós, sociopatas, não somos afetados pelo medo. Além disso, a natureza do crime não é uma preocupação moral, estou interessada apenas em ganhar aquele jogo.

Trabalhei também numa firma de advocacia onde era subordinada a uma sócia-sênior chamada Jane. Em escritórios de direito, você deve tratar os sócios-seniores como uma autoridade, e Jane levava essa hierarquia a sério. Estava claro que ela não gozava desse tipo de poder em nenhuma outra esfera social. Sua pele pálida e manchada por causa da idade, dieta inadequada e higiene questionável eram evidência de uma vida inteira levada fora da elite social. Jane era uma mistura de poder e inseguranças.

Um dia, entramos juntas no elevador, onde já estavam dois homens altos e bonitões. Dava para perceber que eles eram do tipo que ganhava milhões de dólares em bônus e provavelmente vinha trabalhar num dos muitos Maseratis parados no estacionamento. Os dois conversavam sobre uma sinfonia a que haviam assistido na noite anterior — eu também havia assistido, apesar de nunca fazer este tipo de programa.

Casualmente, então, perguntei a eles sobre a sinfonia. Eles se animaram. “Que bom que encontramos você! Talvez possa resolver um conflito. Meu amigo acha que a performance de ontem à noite era o segundo concerto de Rachmaninoff, mas eu acho que era o terceiro”, disse. No que afirmei: “Era o segundo”. Mal importava qual era a resposta certa. Os dois homens me agradeceram e saíram do elevador, enquanto Jane e eu seguimos num silêncio que fez com que ela contemplasse as dimensões da minha superioridade social e intelectual.

Quando chegamos ao escritório, ela estava tensa e não conversamos sobre o projeto de trabalho. Em vez disso, falamos sobre suas escolhas pessoais, suas preocupações e inseguranças em relação ao emprego e a seu corpo, e sua atração por mulheres — apesar de estar noiva de um homem.

Depois daquele episódio, sabia que quando ela me visse seu coração iria disparar. Ela se preocuparia com os pontos vulneráveis que havia exposto. Sei que assombrei seus sonhos por um bom tempo. O poder é uma recompensa em si mesmo, mas graças a essa dinâmica particular que estabeleci com ela acabei conseguindo três meses de férias remuneradas devido a uma suposta ameaça de câncer e um procedimento ambulatorial.

DESTRUIDORA DE CORAÇÕES

Gosto de imaginar que “arruinei a vida de alguém” ou seduzi uma pessoa a ponto de ela ser irreparavelmente minha. Namorei Cass por um tempo, mas inevitavelmente perdi o interesse. Ele, não. Foi quando encontrei outras utilidades para Cass. Certa noite, fomos a uma festa onde conhecemos Lucy. Ela se destacava sobretudo por sua semelhança comigo, o que me fez querer destruí-la. Fiz meus cálculos — Lucy gosta do Cass e Cass gosta de mim; eu tinha um poder inesperado sobre Lucy. Sob meu comando, Cass começou a seguir Lucy. Descobri tudo sobre ela através de seus melhores amigos: Lucy e eu tínhamos nascido no mesmo dia, com apenas algumas horas de diferença, tínhamos os mesmos gostos, as mesmas implicâncias e o mesmo estilo de se comunicar.

Durante o tempo em que Lucy namorou Cass, fiz questão de mantê-lo ao meu lado como um brinquedo: eu o convencia a marcar encontros com ela e depois cancelar tudo para ficar comigo. Ele sabia que estava sendo usado por mim para atingi-la. Quando começou a sentir remorso, terminei tudo com ele. Esperei até que se dedicasse exclusivamente a Lucy, que ela ficasse esperançosa. E, então, liguei para ele novamente. Disse que éramos feitos um para o outro.

Lucy piorou as coisas para o lado dela — sua vida pessoal não era segredo para ninguém, principalmente para pessoas como eu, que usava isso contra ela. O que mais me interessava em tudo isso era o carinho que eu sentia por Lucy. Eu quase queria ser amiga dela de verdade. Só de pensar nesse assunto começo a salivar. Mas quando ela se tornou uma sobremesa muito enjoativa, comecei a evitá-la. Fiz com que Cass terminasse com ela de uma vez por todas.

Mas o que realmente fiz para Lucy? Nada. Ela agarrou um cara e o beijou. Ela gostava desse cara. Saía com ele duas vezes por semana, às vezes com amiga estranha dele junto — eu. Depois de um tempo, não deu mais certo. Fim. Eu não estraguei nada em sua vida. Agora ela é casada e tem um bom emprego, pronto.

A pior coisa que fiz foi incentivar um romance que ela acreditava ser sincero, mas que eu arranjei (da melhor forma possível) para ferir seus sentimentos. Sei que meu coração é mais preto e frio que o da maioria das pessoas. Talvez por isso seja tão tentador partir o delas.

O QUE É O MAL, AFINAL?

A igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é o sonho de todo o sociopata. Os mórmons acreditam que todos podem ser iguais a Deus — inclusive eu acredito nisso. Todos os seres humanos podem ser salvos; o que importa são minhas ações e não meus pensamentos cruéis, nem minhas motivações nefastas.

Quando frequentei a escola Brigham Young, onde os alunos eram mais confiáveis do que os mórmons comuns, eu tinha inúmeras oportunidades de enganar as pessoas. Eu roubava coisas dos “achados e perdidos”. Fingia que tinha perdido um livro e depois o vendia, por exemplo. Ou pegava uma bicicleta que estava encostada no mesmo lugar há dias. Afinal, achado não é roubado.

Remorso é um sentimento que me é alheio, tenho uma queda por enganar pessoas. Geralmente não me prendo a sentimentos irracionais e confusos. Sou estratégica e esperta, inteligente e confiante. Mas eu sou uma pessoa de bem: comprei uma casa para uma amiga, dei US$ 10 mil para meu irmão e sou considerada uma professora muito útil. Eu amo meus amigos e minha família. Mesmo assim, não vivo de acordo com as regras que a maioria das pessoas de bem vive.

Não quero dar a impressão de que você não precisa se preocupar com os sociopatas. Só porque eu sou funcional e não-violenta não significa que não existam os estúpidos, desinibidos e perigosos soltos por aí. Eu mesma fujo de indivíduos assim. Afinal, não existe um pacto de não-agressão entre nós, sociopatas.

Apesar de ter imaginado fazê-lo diversas vezes, nunca passei uma faca no pescoço de ninguém. No entanto, me pergunto se caso eu tivesse crescido num lar mais abusivo se teria sangue em minhas mãos. Pessoas que cometem crimes hediondos não são mais estragadas que os outros, mas parecem ter menos a perder. É fácil imaginar uma versão de mim mesma com 16 anos algemada e vestindo uniforme prisional laranja. Se eu não tivesse alguém para amar ou nada para conquistar, talvez. É difícil dizer.”

COMO RECONHECER UM SOCIOPATA

No livro A Máscara da Sanidade, de 1941, o psiquiatra americano Hervey Cleckley destrinchou as principais características de um sociopata. veja algumas:

• Charme e inteligência
• Ausência de ilusões e outros tipos de pensamentos irracionais
• Falta de senso de realidade
• Não confiável
• Tende a mentir e ser pouco sincero
• Ausência de culpa e vergonha
• Julgamento fraco e inabilidade de aprender por experiência
• Egocentria patológica e incapacidade de amar
• Pobreza nas reações afetivas
• Vida sexual impessoal, trivial e sem integração
• Fracasso em seguir um plano de vida

Originalmente publicado em: para Psychology Today
Fonte:Revista Galileu

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