A Rede Globo estreia no dia 02 de abril a sua mais nova novela do horário das seis, “Órfãos da Terra”, escrita pela dupla Duca Rachid e Thelma Guedes. A trama terá como pano de fundo a vinda ao Brasil de muitos refugiados de diversas nacionalidades. Como de praxe em obras do gênero, o enredo da produção envolve paixões arrebatadoras, vilanias e reviravoltas. E, em meio à divulgação massiva de “Órfãos da Terra” nestes últimos dias que antecedem a estréia, ganhou destaque na imprensa uma história que bem poderia render um enredo de novela, mas é vida real. O congolês Blaise Musipere, que na trama das seis interpretará um refugiado haitiano, tem uma história de vida surpreendente e inspiradora, revelada em entrevista concedida à jornalista Flávia Mantovani, da Folha de São Paulo.
Blaise Musipere, de 33 anos, nasceu na República Democrática do Congo. Até os 11 de idade teve uma infância bastante confortável, pois seu pai era militar do exército do ditador que comandava o país na época, Mobutu Sese Seko, que governou por 32 anos. Musipere e toda a sua família. moravam em uma vila militar na capital do Congo, Kinshasa. “A gente tinha uma vida boa… – relata Musipere em áudio da entrevista, divulgado no podcast “Café da Manhã – , meu pai tinha carro, a gente tinha uma casa grande com quatro quartos, a gente tinha brinquedos. Nessa vila militar tinha tudo…”.
Mas em 17 de maio de 1997, quando Musipere acabara de completar 11 anos de idade, ocorreu o primeiro revés da sua história, quando o ditador Mobutu foi deposto pelo rebelde Laurent-Desiré Kabila e foi para o exílio. Com isso, a vila onde Musipere e a família moravam seria atacada a qualquer momento. Naquele dia, o pai de Musipere chegou em casa no meio da madrugada, correndo, e ordenou a todos que deixassem tudo para trás e fugissem imediatamente, caso contrário poderiam ser mortos. O pai levou a esposa e os dez filhos até um caminhão de soldados, que os conduziu a uma casa isolada no meio do mato; e, em seguida, avisou à família que iria sair para se juntar ao batalhão para tentar tomar a cidade de volta. Ele saiu e nunca mais voltou.
Com as novas políticas do ditador Kabila, a família de Musipere perdeu todo o dinheiro que tinha juntado e a mãe e os dez filhos passaram a viver em situação de extrema miséria, sem ter o que comer, em uma casa “sem piso, sem teto, sem nada”. A Mãe de Musipere saía no meio da madrugada para pegar água e furtar mandioca em um plantação vizinha para alimentar os filhos. “À noite, uns bichos tomavam sangue da gente. A gente ficava muito fraco”, relata Musipere.
A família foi ajudada por um padre de um monastério. Mas, ainda assim, foi um período bastante conturbado. O Congo passou por diversas guerras desde então, sempre alterando a rotina e colocando a todos sob estado alerta. Musipere relata que, nos dias mais violentos, evitava sair de casa, para não ser levado à força até o front. Como consequência mais grave dos conflitos no país, dois dos irmãos de Musipere foram mortos por uma bomba.
E, no ano de 2007, cansado da vida difícil que levava no Congo, Musipere tentou uma bolsa de estudos para estudar português no Brasil e foi aprovado. Com a ajuda de vizinhos, conseguiu o dinheiro da passagem. Ele relata que, mesmo que as pessoas vivessem em situação de muita pobreza na África, muita gente o ajudou. E então Musipere veio para Curitiba e foi morar com conterrâneos. O ator conta que, do nosso país, conhecia apenas o futebol. No Brasil, foi morar com conterrâneos, e conta que estranhou quando foi chamado para almoçar. “No Congo a gente só comia uma ou duas vezes por dia. Comia quando tinha.”.
Mas, apesar de experimentar no Brasil a paz que no Congo não existia, devido às inúmeras guerras que assolam o país, Musipere não encontrou vida fácil por aqui. Enfrentou problemas com o idioma, com a falta de emprego e a saudade da família. Reprovado no curso de português, foi trabalhar lavando louças em um restaurante, a R$25,00 por diária; e também em uma empresa de telecomunicação; sempre enviando para a família o que conseguia juntar de dinheiro.
Sem perspectivas, Musipere decidiu fazer um curso de modelo e, posteriormente, um curso de interpretação para TV, na tentativa de aprender mais facilmente o idioma do país. E foi aí que a trajetória do imigrante congolês no Brasil ganhou novos contornos. Em 2013 ele chamou a atenção do diretor Alexandre Moretzohn e foi convidado a integrar o elenco da novela Malhação, da Rede Globo, em que interpretou o haitiano Frédéric.
Porém, uma vez mais, a história de Musipere sofreu um revés. As economias que ele juntou durante o período em que esteve em maior evidência na mídia, por conta de sua participação na novela, ele enviou para o irmão que ficou no Congo, que tinha lhe relatado ter o sonho de cursar Medicina na Austrália. Mas a pessoa que prometeu a bolsa de estudos ao irmão de Musipere, lhe aplicou um golpe, sumindo com o dinheiro. Assim, o irmão continuou no Congo, e Musipere, sem as suas economias para pagar um aluguel, passou a dormir em um banco no bairro do Leblon, Rio de Janeiro. Nesse período, o ator conseguiu um emprego para servir mesas em um premiado restaurante da cidade. Ele trabalhava no restaurante durante o dia, e à noite dormia no banco do Leblon.
Em 2017, Musipere fez uma participação na novela Novo Mundo, da Rede Globo, e, no fim do ano passado fez um teste para Órfãos da Terra. Para se manter no Rio de Janeiro, chegou a trocar moradia por serviços de pedreiro. E, em novembro, já sem esperanças de seguir na carreira artística, recebeu a notícia de que tinha sido selecionado para a novela.
Apesar de todos os desafios que enfrentou, Blaise Musipere se diz grato por tudo o que passou. Com surpreendente otimismo, ele encara os sofrimentos pelos quais passou como etapas que precisava vencer para chegar onde está.
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*Com informações do jornal Folha de São Paulo.
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