“Nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo.”
– Friedrich Nietzsche.
“Conhece-te a ti mesmo”, a máxima socrática encontrada no Oráculo de Delfos, preconiza a importância de se buscar aquilo que se é, não do lado de fora, mas do lado de dentro. Após milhares de anos, a frase continua a mexer conosco, e não por outro motivo que não seja a angústia que ela produz, haja vista a nossa ainda enorme distância nessa busca fundamental ao desenvolvimento do ser enquanto sujeito.
Conhecer a si mesmo implica um mergulho íntimo nas profundezas que nos forma. Algo extremamente aterrorizador, afinal, não sabemos o que vamos encontrar. Talvez, sequer tenhamos coragem ou vontade para encontrar, reviver certas coisas, confrontar nossas obscuridades. Entretanto, ao não fazer essa busca autoanalítica, é impossível viver com autonomia, gozar à liberdade e, por conseguinte, ser feliz.
Sendo assim, aqueles que insistem em fugir de si mesmos, acabam por ficar à margem do que são, “vivendo” tão somente representações daquilo que poderiam ser, ou mais profundamente, sendo reprodutores de um conjunto de comportamentos estabelecidos, como se estivessem em um grande teatro de marionetes.
Isto é, a falta de autoconhecimento impede que o indivíduo possua autonomia e autoria sobre a sua própria vida, uma vez que, sem conhecer-se, ele sequer sabe quem de fato é e de que maneira deseja conduzir a sua vida. A consequência direta dessa ausência de identidade é o condicionamento e adequação ante preceitos e situações que são impostos, bem como, uma perda na dimensão da liberdade, posto que não se pode deliberar sobre algo sem saber o que se é.
Deixando-se de se ter essa dimensão do “eu”, existe paulatinamente uma dificuldade ou impossibilidade de ser feliz, pois a felicidade, como algo subjetivo, depende da perspectiva de quem olha, de tal maneira que não há como ela ser algo padronizado e imposto à totalidade das pessoas como se todos fossem exatamente iguais.
Todavia, a condição para o exercício dessa subjetividade reside na capacidade de ser sujeito presente no indivíduo. Em outras palavras, isso quer dizer que é preciso ser livre para que se possa olhar para algo com os próprios olhos e não com os olhos de outrem.
Dessa forma, se o indivíduo não se conhece, inexiste a possibilidade de que ele possa exercer a sua condição de liberdade e, consequentemente, analisar o mundo a sua volta, fazer escolhas e tomar atitudes que estejam em consonância com o que se é. No máximo será um simulacro de si mesmo, frágil e imperfeito, como toda simulação. Obviamente, enxergar essa simulação não é algo tão comum, o que nos permite dizer que nem todos compreendem a sua existência, tampouco, despertam para o que são. E, assim, vivem à margem de si mesmos porque se recusam a encontrar aquilo que forma o que somos, a fazer a travessia que liga o “eu” e o “mim”, que transforma o simulacro em algo real.
Apesar de sabermos quão difícil é adentrar pelas veredas que formam o humano, não há outro modo de encontrar a nossa plenitude e usufruir à vida em sua totalidade, senão fazendo essa travessia, afinal, como disse Guimarães Rosa: “Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia”. Porque não há sentido em sermos brasa quando podemos ser fogo, ainda que sendo fogo estejamos distantes da serenidade servil e próximos do calor inebriante da liberdade.
Em tempos em que a liberdade é enaltecida como o grande valor humano, é necessário questionar até que ponto de fato a possuímos e em que medida a sociedade que nos cerca possibilita o seu uso. E, sobretudo, é necessário indagar se é possível ser livre repetindo gostos, comportamentos e ações, como se fôssemos autômatos sem acesso à nossa subjetividade, ou forasteiros em um mundo sem lembranças.
Fazer essas perguntas, como disse, não são fáceis, já que elas nos levam a lugares mais profundos. Mas não as fazer nos leva para lugares mais distantes. Assim, ao eleger a busca, a dor e o sofrimento serão tão presentes quanto o gozo e a felicidade, pois é por meio da travessia que deixamos de ser simulacros ou marionetes e nos tornamos humanos, demasiadamente humanos. Sendo que é apenas na liberdade que o homem se realiza, logo: “Nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”.
Imagem de capa: Matva/shutterstock
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