Charlie Chaplin um dia disse que a vida não permite ensaios. A minha, entretanto, teve incontáveis e ainda não posso garantir que eles já tenham acabado. Foram ensaios sérios e compenetrados, ensaios debochados, insolentes ou até desorientados. Não discordo de Chaplin. Justamente admiro sua determinação, mas não a carrego comigo como condição essencial.
Permiti-me cair no erro repetidas vezes, e, ainda depois de consciente, errar mais uma vez, ou mais.
Confundi irresponsabilidade com autonomia, desleixo com desânimo, procrastinação com sossego. Manipulei os argumentos, me especializei em desculpas, deixei o tempo deitar e rolar enquanto ensaiava uns passinhos vacilantes.
Mirei no objetivo de ter: ter conforto, ter segurança, ter a mais, ter demais. E quem disse que é possível se sentir confortável, ainda que o sofá seja um escândalo de gostoso, quando a alma está inquieta, dura, alerta! Foi munição demais para pouca batalha.
E a busca continuou, entre uma comprinha para aplacar a sede eterna e um dia inteiro na roda do hamster, sem produção, sem direção, sem satisfação.
Não é demais dizer que o cansaço de quem não sabe para onde está indo é infinito. Mesmo que a estrada vire logo ali, vagar na vida é estafa certa.
Então, depois de muitos arranhões e cabelos presos nas farpas das cercas que eu mesma construí, chegou a hora de botar tudo abaixo e conferir o que é a vida além das minhas próprias certezas.
Sem transformações aparentes, no entanto, com gigantescas mudanças internas, deixo presas na cerca apenas as culpas que já purguei, os balangandãs que não me enfeitam mais, todo adeus e boa sorte que já disse e também já ouvi, e, por fim, a ganância de ter de sobra, de reserva, de segurança para o dia em que o mundo for acabar.
Agora o caminho é o do papo reto, consciência leve e pouca bagagem!
E vida, aí vou eu!
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