Por Josie Conti
Carlos Lobato é um escritor português radicado em Londres, mas que não restringe sua transição aos territórios em que habita fisicamente. Em sua escrita também existe um ser transicional que vagueia entre a prosa e a poesia. Carlos Lobado, de forma única, dá concretude e realismo a textos que, se têm origem em temáticas contemporâneas, num piscar de olhos, transcendem o real e ganham asas através da subjetivação poética.
Como definiria a poetisa Maria Augusta Ribeiro, Carlos Lobato é alguém que “tendo em si grandes mananciais de amor às coisas sublimes, também é um bon vivant que se agarra sofregamente aos prazeres da vida.”
Convido-os para um passeio pelos olhos brilhantes desse escritor-homem-menino que ainda se chocam com as asperezas da vida e nos mostram que, apesar de tudo, devemos seguir: “até a próxima vez.”
***
“Servir-me do tempo. Esperar pelo enrugar da pele e a sanidade crescente. Demente, foi a inocência escondida. Um mundo quase perdido, procurado por um Eu, como a essência de uma fantasia paralela inigualável. Tão paralela como o canto escuro do quarto, a sombra da vida e o apagar do presente. Passado… Um pequeno rasgo na esperança, um canto vivo nessa memória nunca apagada. A vida encarrega-se de um sossego real na fantasia de hoje. A memória, essa, nunca se apaga!”
Carlos Lobato
PEQUENEZ
Percebi finalmente a minha pequenez!
Sou ínfimo aqui, neste espaço medonho,
Quase tão enorme como o meu sonho,
Mas tão pequeno à vista do Arquitecto.
A essência de toda a vida,
Todas as vidas de pés na terra,
Têm geomancia como arca, indefinida,
Demasiada. Demasiada com tanta gente,
humilde, que sofre e impera sem o saber.
Os rios que não separam as margens, são
Oceanos que nos unem em linhas rectas.
A fraqueza, está em corpo e carne,
Apesar do sustento de almas,
Que sempre os renovam.
São os mistérios que movem a alquímia,
A procura de todas as pedras filosofais.
A Humanidade, essa, divide-se negativamente,
Pelos próprio meios que a sustentam.
Sei da destruição de almas que renascem,
Sei do menosprezo à vida terrestre.
Apenas a pobreza se perde em crescendo,
Apenas doi, crianças morrerem famintas,
Por todo um desleixo profano de egoísmo!
Pudera eu ser Deus por um dia!
Juntar todas as chamas individuais,
Crescendo a minha, de uma chama faria fogo.
Queimaria as ideias idiotas da amargura,
Destruiria todos os pecados mortais solucionáveis.
Apesar de tudo, vivemos nesta contradição.
Destruir para voltar a criar.
Morrer para voltar a nascer.
Sofrer na procura da felicidade!
Estou farto!
Percebi finalmente a minha pequenez!
Carlos Lobato
EFÉMERA ROTINA
Ando assustado com a rotina.
Já não é a mesma que era.
Os mecanismos estão corroídos,
as engrenagens guincham sózinhas,
adivinho um final doloroso.
Já não há manutenção a esta alma,
a engenharia imaginária enrijou
gretando a pele que a sustenta.
As rugas crescem por lubrificar,
secam os processos do tempo.
Fica o sadismo da inteligência.
Fica a alma que pensa e vê,
sem remédio mundano ou milagre.
A dor da noção que tenho,
não se altera, antes se afina,
corta-me ilusões efémeras.
Um devaneio, é peculiar,
normalmente não me ralo.
Desvio o consciente para as artes,
distraem-me. Sem grande frenesim,
da realidade, e o envelhecer do tempo.
Abnego-me a todas as alterações,
as minhas e de outros que estimo.
Além de tudo, é a felicidade que conta!
A rotina, apesar de tudo, fica.
Uso-a indescriminadamente por defeito.
Nada contra. Só o susto da (in)diferença.
Que tudo de novo surja. Depois da rotina,
sorrio à novidade. Uma outra ruga.
Tão previsivel como a morte.
O potencial do ânimo está aqui,
no próximo sorriso sincero, sem teatro,
a todas as imprevisibilidades do Mundo,
a todos os finais científicos previstos,
a todas as indefinições e incertezas,
que nunca alcançarei, por falta de tempo.
Mas amo tudo o que me merece,
todos os que me querem, na minha rotina.
A vida não passa de rituais consagrados,
nós efémeros, dependemos de rotinas.
As rotinas são para cumprir!
Carlos Lobato
“A tendência é imprevisível. Equilíbrio. De mim, de todos. A magia tem o destino da surpresa. Manipulação de cérebros, que se perdem chocalhando em crâneos que os definham. A vida torna-se cinzenta, como um nevoeiro mais denso, tão denso, que me perco no balanço, que vai crescendo incontrolado, até perder o equilíbrio. É disto que gosto! Esta luta interminável, que se aprende a admirar e, faz falta em tempos onde a paliação toma as rédeas da vida. Que é isso, senão sobreviver…”
Carlos Lobato
APENAS OUÇO
Tal é o timbre,
o sonho, a música,
só o luar me acorda.
Sonata, perdido
no som de veludo.
Um piano,
quente.
E eu.
O agora.
O ébano,
o marfim,
os dedos,
os segredos.
Só quem compõe.
Só quem o toca.
Só quem o sabe.
Eu ouço,
e ouço,
e ouço.
Apenas ouço.
Não sei nada.
Fino martelar,
melodias,
viagens,
umas quentes
outras frias.
Os dedos.
As teclas.
Correrias selvagens.
E eu.
Ouço,
e ouço,
e ouço.
Apenas ouço.
Não sei nada!
Carlos Lobato
SE ME PERDER UM DIA
Se me perder um dia,
quero perder-me entre dois espaços.
Estou mais perto disso que de nada.
Se as montanhas se movessem,
aparava as arestas das encostas,
alisava os vales com rios calmos,
e os cumes beijariam o céu.
Talvez a terra chame os anjos,
na calma paradisíaca da floresta,
ou pelas cicatrízes escondidas da cidade.
A cidade fere as almas.
Precisam descansar da geometria falsa,
dos cubículos ressequidos onde vivem,
de tanta realidade falsa e, da prática
de impulsos rápidos de sobrevivência.
É incerta a travessia da coragem.
É quase impossível viver em dois espaços,
continua ou descontinuamente como eu.
Queria fugir desta responsabilidade certa,
conquistar o gozo de sobreviver,
na originalidade da natureza.
Já há poucos eremitas no mato.
Transformaram-se eremitas do betão.
O calcinar do tempo endurece a vida e,
toda as vontade de uma liberdade pura.
Pedir a Deus ajuda permanentemente,
mas não leva a qualquer benefício prático.
Mas sim. Esperança e fé são gratuitas.
O cristalino das nascentes é oferenda
de todos os deuses que imaginamos.
Desfrutar da natureza e inteligência,
virou contrasenso e contranatura.
Se me perder um dia,
que seja na minha própria cabeça,
onde o impulso puro, reaja forte,
que vença o politicamente correcto,
e me traga o mistério desvendado.
Estou práticamente perdido,
consciente da próxima viagem,
perder-me por todos os sentidos,
até encontrar o meu equilíbrio.
Carlos Lobato
SER SELVAGEM
Ser selvagem.
Ser selvagem seria uma benção,
se a inteligência estivesse ausente!
Essa consciência é uma enormidade,
de coisas boas enquanto o são.
Entre a felicidade e o desespero,
basta um sopro, um passo em falso,
desilusões, opções subjectivas…
Ser selvagem sem pensar,
inconsciente por instinto, essa
é a pura liberdade. Meu Deus,
como assim gostava eu de ser,
livre, selvagem, sem consciência.
Apesar de tudo, nada disto
é desgraça! É bom ter inteligência,
fazer parte do desenvolvimento
de células, com um final feliz.
Acho eu, conscientemente…
Um final feliz?!
Pelo que aprendo, não há nem princípio,
nem fim. Talvez mesmo, o futuro
se construa de passado, o quântico
se revolte e conquiste a micro existência.
Já conquistou! Só falta a certeza,
e explicar como o fez, e faz!
Por isso a vida tem tanta dúvida.
Talvez por isso, tenha eu dificuldade
em entender as pessoas, ou elas a mim.
Não consigo viver a vida só porque sim.
Selvagem, seria a fórmula ideal,
sem opções conscientes, lógicas
ou limitadas com fins objectivos.
Por isso amamos as bestas,
as belas bestas que correm e calam.
Que não ligam, que ferem inconscientemente,
apenas como defesa natural inata.
Ser selvagem…
Era bom esse acrescento
à irreverência que me torna só,
realista e delimitativo.
O caos será selvagem,
até que a consciência,
consiga apenas sobreviver.
Carlos Lobato
PERDER O FÔLEGO
Apetece-me perder o fôlego!
Correr está fora de causa,
o Homem não foi feito para isso,
fica desengonçado e estranho.
Um livro brilhante, faz o efeito.
Um poema incrível, idem.
Sexo. É tão bom que,
é garantia de perda de fôlego.
A surpresa dos elementos,
do calor para o frio,
falta-me o ar, mas sabe bem.
Estes momentos de anarquia pessoal,
têm uma virtude irresistível.
Acordar, abanar o corpo,
que vai adormecendo na rotina,
nas sensações habituais e,
nas simples ideias utópicas.
Picar um dedo, beliscar a pele,
morder sensualmente, tocar,
beijar todo o corpo. Tudo!
Tanta coisa boa, provocada,
que me faz perder o fôlego.
Quero viajar. Sentir deslumbre,
curiosidade, paixão, sexo!
Perder muitas vezes o fôlego.
E ficar cansado.
Até à próxima vez…
Carlos Lobato
Carlos Lobato
Saiba mais sobre o autor:
Nascido em 1962 em Lisboa, Carlos Lobato teve o privilégio de fazer farte de uma geração jovem que viveu a transição do antigo regime em Portugal para a nova democracia, em Abril de 1974. Tempos conturbados de escola, onde o caos imperou durante alguns anos de liceu, mas com a sorte e aproveitamento de entrada no país “da cultura que se fazia lá fora”, assim como o desenvolvimento nacional das artes da escrita, música, teatro, pintura, que aos poucos foram conquistando o espaço cultural nacional, tão vazio até então. Usufruiu do negócio livreiro do pai, na altura, onde o prazer pela leitura e escrita se enraizou pelo fácil acesso a obras literárias. A escrita sempre fez parte da sua vida, não se tendo nunca preocupado em guardar o que escrevia, até muito recentemente. Habita atualmente em Londres no Reino Unido.
Acompanhe o autor pelo blog Palavras Soltas
Uma cena inusitada e carregada de simbolismo marcou o Cemitério da Saudade, em Sumaré (SP),…
Na charmosa cidade de Lucerna, às margens do Lago dos Quatro Cantões, encontra-se a histórica…
Jeniffer Castro, bancária que ganhou notoriedade após se recusar a trocar seu assento na janela…
A mais ousada e provocante das séries japonesas disponíveis na Netflix talvez ainda não tenha…
Muitas vezes, a sensação de estagnação, aquela percepção de que não estamos progredindo em nossas…
Com as temperaturas em alta, encontrar formas econômicas e eficientes de aliviar o calor é…