Coringa: “Sou só eu ou esta cidade está ficando cada vez mais louca?”

O Coringa lembra mais um filme de terror, onde o pavor e a pulsão tomam conta do público no início ao fim da película. O diretor Todd Phillips nos surpreende ao resgatar a tradição do realismo social, um “reality show”, de opressão e humilhação.

A Gotham City é uma sinopse dos Estados Unidos da América – EUA, que recompensa os ricos, venera as celebridades, corta os serviços públicos e empurra os desvalidos para o crime. Arthur Fleck nome do Coringa no filme revela que a insanidade não está apenas nele, mas na divisão entre vencedores e perdedores.

Nos últimos 30 anos o Coringa se transfigurou em um dos papéis mais histriônicos que um ator pode interpretar, lhe permitindo fazer loucuras dramáticas para incorporar o personagem. Para encarnar o Coringa, Joaquin Phoenix perdeu 23 quilos e ensaiou durante quatro meses suas diferentes risadas sinistras.

O filme é turbinado pelo show de interpretação de Phoenix, com uma atuação intensamente corporal, que converte Arthur em um personagem sombrio, que se maquia de palhaço, pinta o cabelo de verde e traz para fora de si: o demente Coringa.

A agonia de Arthur tem diversas tonalidades: que não se expressa só em seu riso corrosivo, mas em cada músculo do seu corpo esquálido, que se move em uma coreografia elegante e sincronicamente patética. O Coringa traz à baila a nossa insanidade social quando diz: “Sou só eu ou esta cidade está ficando cada vez mais louca?”

O complexo de inferioridade é mecanismo de defesa criado por Arthur, que expõe que ele vive em uma cidade injusta: cuida da mãe enferma, sofre discriminação, passa por dificuldades econômicas e não tem relação com ninguém além da família. Por isso, Coringa se queixa à sua terapeuta após cometer o primeiro crime: “Durante toda a minha vida, eu não sabia se realmente existia. Mas existo. E as pessoas estão começando a perceber”.

Assim, o Coringa mostra que os indivíduos que foram submetidos às barbaridades desde a infância demonstram de maneira escandalosa suas experiências negativas, entre elas: depressão, ansiedade, transtornos alimentares, uso de drogas, abuso de álcool e cigarros, agressividade, compulsão por sexo, etc.

A cidade é o contexto que torna esse personagem violento, pois as cenas denunciam que os oprimidos se fazem opressores e reproduzem o modo de vida de uma sociedade insana. É uma parte da América de Coringa, que fomenta a meritocracia, exalta os bilionários, não gosta de pobres e imigrantes.

Portanto, o filme provoca um debate sobre a solidão, a violência física e psicológica, notadamente, sobre a saúde mental que é modelada por uma cidade fictícia: Gotham City, que é marcada pela brutalidade, imundície e desordem, já que a loucura do Coringa é impregnada pela loucura do mundo.

É por isso, que o filme gerou polêmica nos EUA por glorificar a violência, em um país que ocorrem vários atentados a tiros. Aliás, o longa-metragem nos mostra que é cada vez mais comum ver pessoas depressivas e ansiosas em grandes e médias cidades, por causa da urbanização desigual.

Então, o palhaço interpretado por Phoenix deixa claro para os cinéfilos que o vilão sofre de transtornos psiquiátricos: ele toma remédios diferentes, cita ter sido internado num hospício, devaneia sobre uma relação que não teve e dá risadas destoantes de suas emoções.

Por fim, o resultado compõe o retrato de um homem insano, com um grande complexo de Édipo, que se sente excluído pela sua cidade, ou seja, um drama que faz um link com a vida real de homens e mulheres que vagueiam pelas urbes adoecidas, cometendo doidices e crimes.

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Jackson César Buonocore Sociólogo e Psicanalista