Quando a mãe de Arjuna Sundara Kirtana Claro da Silva, 33 anos, engravidou dele, ela pediu a Deus que o tivesse num lugar especial, onde as pessoas buscassem um sentido a mais para a vida, distante da realidade mesquinha do mundo materialista, na descrição do próprio Arjuna. E não é que ela encontrou? O filho nasceu e foi criado em uma comunidade Hare Krishna que fica em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo.
Foi lá, na Fazenda Nova Gokula, em Pindamonhangaba (SP), que essa mãe encontrou sentido para ter seu jovem guerreiro – é que, no texto Bhagavad-gita, um dos mais populares do hinduísmo, Arjuna é um guerreiro que se vê no campo de batalha tendo que enfrentar a própria família.
A fazenda é um lugar lindo, fica na Serra da Mantiqueira, numa área de proteção ambiental repleta de rios e cachoeiras com águas cristalinas. E lá vive a maior comunidade Hare Krishna da América Latina, composta por aproximadamente 100 pessoas. Todas trabalham para o desenvolvimento local e seguem uma proposta de vida simples.
Eu conheci Arjuna – ou Sundara, como ele se apresentou – em visita à comunidade durante um passeio com um grupo de amigos praticantes de yoga.
Sundara (que eu pesquisei e descobri que significa ‘belo’ e sânscrito) foi o guia do grupo durante um passeio de observação de pássaros na fazenda. Era maravilhado que ele fazia todos tentarem prestar atenção nos assovios para descobrir onde o passarinho estava escondido. Com uma câmera fotográfica na mão, capturava as mais diferentes aves encontradas e depois mostrava a foto aos que não tinham conseguido enxergá-las – ou seja, a maioria dos ali presentes.
Quando a observação terminou, eu pedi para ele contar um pouco como é ter crescido num lugar como aquele. Foi quando Sundara me explicou o motivo que levou a mãe dele, então solteira, a escolher aquele local para o nascimento, o que ocorreu após o pedido que ela fez a Deus, descrito no início do texto. “Ela teve contato com o movimento Hare Krishna, que leu no livro de Swami Prabhupada, que é nosso fundador, e ela se encantou com o que ela leu e veio para cá.”
‘Sou um filho desta terra’
Sundara nasceu, cresceu e viveu até os 16 anos na comunidade. “A minha infância inteira eu passei aqui. Eu conclui o ensino fundamental aqui. A gente tinha uma escola bem bacana, com bastante crianças. Digamos que eu sou um filho desta terra.”
Quando terminou a 8ª série, o jovem guerreiro foi em busca de encontrar novos desafios fora da fazenda. Concluiu os estudos na cidade, apaixonou-se, casou-se e teve três filhos. Além da técnica de observação de pássaros, é amante de escalada em montanhas. Aprendeu as técnicas e montou uma pequena empresa que presta serviços de pinturas e lavagens de fachadas com os aparelhos e conhecimentos usados na escalada.
Viveu tudo o que tinha que viver e agora, no começo deste ano, voltou a morar na comunidade para criar os filhos. “Como isso para mim é tão importante, eu queria que meus filhos também tivessem essa experiência. Será numa dimensão menor de tempo, porque hoje não tem escola e a gente não vai poder matriculá-los aqui. Mas esse tempinho, um ano, dois, vai deixar uma base do que foi para mim, vai conectar eles com o lado espiritual, com essas duas questões da vida, que é a material e a espiritual. Então, essa introduçãozinha eles vão levar para o resto da vida.”
E assim Krishna, de 7 anos, Anakin, 5, e a Serena, de 3, estão vivendo em meio às cachoeiras, árvores e pássaros da comunidade. “As crianças ficam encantadas. Meu filho Krishna falou, ‘pô, pai, eu não quero sair daqui nunca mais’. Então não há nada mais bacana para os pais do que seus filhos felizes, de bem, protegidos. É um lugar bacana para eles.”
Sentido da vida
Bastante espiritualizado, Sundara explicou que, para ele, ter nascido na comunidade o proporcionou esclarecimentos sobre o sentido da vida. “Qual é o diferencial de eu ter nascido nessa egrégora de paz, de harmonia, de espiritualidade, de ter essa comunhão com Deus? Por eu ter vivido e nascido aqui, ter experienciado isso aqui, isso me esclareceu questões de que a gente não é simplesmente uma matéria, esse corpo perecível que tem um prazo de validade, que chegando no prazo ele vai virar pó, virar terra, e se encerrou. Eu acho que a criação de Deus é infinita, é muito maior do que a gente pensa. (….) Essas respostas me vieram, me foram esclarecidas, que somos centelhas de vida, infinitas, energia espiritual, e que a gente está aqui por um processo para evolução mesmo e para retornar para nossa morada eterna.”
E enquanto isso não ocorre, Sundara? Para ele, a resposta é simples: “A ideia é a gente se tornar melhor para poder passar adiante essa ideia e também melhorar a vida daqueles que estão ao nosso redor, dos nossos irmãos. A humanidade é uma irmandade só, então é interessante que todos nós ascensionemos, que todos nos alcancemos plenitude, paz, felicidade, saúde plena, harmonia. Então é isso que eu vim buscar e eu encontrei.”
Para ele, o sentido de nossa existência está em “viver em plenitude, ter uma vida plena, equilibrada e feliz: É se realizar aqui, porque eu penso assim, a terra é um exemplo do que a gente pode ter no mundo espiritual, é um reflexo de lá. Então, quanto melhor passarmos aqui, quanto melhor sermos aqui, mais próximos do nosso objetivo a gente estará, que é viver em plenitude, encerrar esse ciclo de nascimento e morte (…). Existe muito mais do que isso aqui.”
E foi assim que, depois de conversar com Sundara, eu nunca mais fui a mesma ao ouvir, com atenção, o canto de um pássaro.