Na última segunda-feira, mas de 1.500 cartas foram entregues por moradores do Complexo da Maré ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). A atitude tinha a intenção de sensibilizar as autoridades para a situação do moradores e pedir a volta de uma Ação Civil Pública (ACP) que regulamenta as operações policiais no local. A ação foi suspensa em junho deste ano. Em uma das cartas, uma criança moradora da favela escreveu:
“Um dia eu estava no pátio da escola fazendo educação física. De repente, o helicóptero passou dando disparando para baixo. Aí, todo mundo correu para o canto da arquibancada. Quando passou o disparo, a gente correu para dentro da escola até minha mãe me buscar. Quando deu mais disparos, eu estava em casa”
Segundo Dani Moura, coordenadora de comunicação da ONG Redes da Maré, o projeto começou com uma reunião com integrantes da organização. Depois de eles entrarem em contato com parceiros e escolas, foram atrás dos moradores para explicar o que significa a Ação Civil Pública e por que era importante mostrar o que eles vivem.
— O objetivo é tentar sensibilizar os juízes, mostrando o que os moradores sentem e a vivência que temos — explica Dani. — Ter grupos ilícitos não pode ser uma desculpa para que os moradores da Maré não tenham direito à segurança pública.
Leia algumas das mais de 1.500 cartas:
“Meu irmão se foi por causa dos policiais”
“Boa tarde. Eu queria que parassem as operações porque muitas famílias serão atingidas. Agora, eu estou sem quarto porque vocês destruíram na operação. Todo mundo na minha escola chora, meu irmão faleceu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo. […] Muito obrigado por ter lido minha carta”.
“Eles têm que respeitar os horários que as crianças estão na escola”
“Bom… quando tem operação eu não posso ir a lugar nenhum, tenho que ficar no banheiro da minha casa. Quando tem operação e o helicóptero passa atirando para baixo, minha tia vai para minha casa porque, se não, o disparo pode bater lá. É muito ruim… Eles têm que respeitar os horários que as crianças estão na escola ou até mesmo no curso. A maioria das crianças sai 15h, 15h30. Eles podiam entrar 16h e sair 19h ou 20h. Também acho que eles não podem entrar de madrugada porque tem gente que vai trabalhar ou chegar de madrugada”.
“Uma vez deu tanto disparo que me escondi atrás da máquina de lavar”
“(O que) Eu tenho a dizer é que as operações fazem muita gente perder a vida. E essas operações são muito tristes. Uma vez minha mãe saiu para ver minha vó e deu tanto disparo que me escondi atrás da máquina de lavar. É isso que eu tenho a dizer.”
“Não gosto do helicóptero”
“Eu não gosto do helicóptero porque ele faz disparos para baixo e as pessoas perdem a vida”
“Queremos paz na Maré”
“Gostaria que mudasse a forma que eles entram na comunidade. Tenho pavor de escutar o barulho do helicóptero, as crianças se escondem atrás dos cômodos da casa com medo, a forma de bater na nossa residência já é assustadora. Batem, quase derrubam a porta, fazem uma zona nas casas dos moradores que estão trabalhando e, até mesmo quando nós estamos em casa, somos refém desse esculacho que fazem com a gente que mora na favela. Queremos paz na Maré”.
Por nota, a Polícia Militar disse que: “Todas as operações desencadeadas pela Corporação são precedidas por planejamento e seguem rigorosos protocolos de atuação, sempre com objetivo de preservar vidas”.
Na quarta-feira (14), o desembargador Jessé Tavares restabeleceu a liminar da Ação Civil Pública (ACP) movida pela Defensoria Pública do Estado (DPRJ). Também desembargador, Cláudio afirmou que a decisão não é definitiva e cabe recurso. Em seguida, questionou se não há “algo por trás disso”.
“O juiz da causa tem que analisar se aquelas cartas realmente foram feitas pelas crianças, se não foram encomendadas, se não há algo por trás disso, se realmente é a sociedade da Maré que está clamando para que isso pare, para que essa violência pare”, afirmou em entrevista na quarta-feira (14).
Para o presidente do TJ-RJ, não está claro se houve prejuízo à população da região
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