Com o aumento absurdo de casos de psicopatia infantil, parece que finalmente resolveram abrir espaço para se falar a respeito.
“Não é fácil a sociedade aceitar a maldade infantil, mas ela existe”, diz Fábio Barbirato, chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa, no Rio de Janeiro. Ele explica que a criança ou adolescente que tem essa patologia pode se transformar, na vida adulta, em alguém com a personalidade antissocial – o termo usado hoje em dia para o que era chamado de psicopatia. “Essas crianças não têm empatia, isto é, não se importam com os sentimentos dos outros e não apresentam sofrimento psíquico pelo que fazem. Manipulam, mentem e podem até matar sem culpa”, diz Barbirato. Por volta da década de 70 do século passado, teorias sociais e psicanalíticas tentaram vincular esse comportamento perverso (apenas) à educação e à sociedade. Nos últimos anos, porém, os avanços da neurologia sugerem a existência de um fenômeno físico: imagens mostram que, nas pessoas com personalidade antissocial, o sistema límbico, parte do cérebro responsável pela empatia e pela solidariedade, está desconectado do resto.
Um obstáculo para o tratamento de crianças com sinais de transtorno de conduta é o próprio tabu da maldade infantil. O senso comum afirma que as crianças são inocentes – uma crença que resulta da evolução histórica da família. Até o século XVII as crianças eram consideradas pequenos adultos e muitas nem sequer eram criadas pelos pais. No século XVIII, isso mudou. A família burguesa fechou-se em si mesma, dentro de casa. O lar virou um santuário e a criança o centro dos cuidados e das atenções. Foi o nascimento do sentimento de infância, dentro de um grupo que agora tinha como laços o afeto e o prazer da convivência. Se a criança é o eixo do sentimento moderno de família, ela não pode ser má. Eis o tabu.
A psiquiatra carioca Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do best-seller Mentes perigosas, diz que crianças e adolescentes com esse distúrbio costumam estar por trás dos casos mais graves de bullying. “É típico do jovem com transtorno de conduta saber mentir e manipular para que os outros levem a culpa”, afirma. Barbirato faz uma ressalva. “Pequenas maldades e mentiras são absolutamente comuns na infância. De cada 100, cerca de 97 têm comportamento normal e, ao amadurecer, saberão diferenciar o certo do errado e desenvolverão a empatia”, diz.
Mas, e os 3% que faltam? Serão obrigatoriamente personalidades antissociais na vida adulta, seres sem empatia? Os especialistas são taxativos ao afirmar que não se cura transtorno de conduta. Ele será, no máximo, amenizado se tratado a tempo e houver sempre algum tipo de vigilância. Na maior parte dos casos, porém, isso não acontece. E o resultado de ninguém ter notado esses sinais durante a infância aparece de forma trágica. “Essa criança poderá ser um político corrupto, um fraudador, até um torturador físico ou emocional, chegando a um assassino em série”, diz Ana Beatriz.
De acordo com o psiquiatra Fábio Barbirato, chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa (RJ), as crianças podem apresentar traços de psicopatia já aos 3 anos de idade. Pois é, aquela criança bonitinha brincando na praça, montando castelos de areia, pode ser um psicopata em potencial.
Agora vocês pensam: “Então uma criança de três anos seria capaz de algo tão hediondo?”, e lhes direi que sim, mesmo que o padrão dos casos estudados seja de crianças com mais de cinco anos, sete em sua maioria.
Creio que uma das histórias mais chocantes sobre “maldade infantil” seja a de Beth Thomas, que deu origem ao documentário “Child of Rage” (A Ira de um Anjo), no qual, nas sessões com a menina de apenas 6 anos, é visível sua completa falta de emoção e de empatia; São olhos azuis gélidos, e não expressam nada além de: “Eu mataria mamãe e papai à noite.”. É assustadora a forma como Beth consegue dizer que as pessoas têm medo dela, principalmente o irmão, pois ela o machuca “muito”.
Porém, a história de Beth Thomas possui ao menos uma explicação. Ela e seu irmão perderam a mãe ainda bebês e, desde então, Beth sofria de graves abusos sexuais de seu pai, gerando o Transtorno de Apego Reativo, que se deve por um desenvolvimento de formas perturbadas e inadequadas em estabelecer relacionamentos, além da falta de empatia (característica principal de um psicopata e por isso os sintomas similares).
Os irmãos foram levados para um lar adotivo, no qual seus novos pais fizeram de tudo para dar amor a essas crianças – o problema é que os pais adotivos não tinham noção do passado de Beth, então a princípio era difícil acreditar que aquela menina de olhos azuis poderia estar por trás de acontecimentos estranhos pela casa. Quando começaram a perceber que o ninho de passarinhos estava com filhotes mortos, que facas estavam sumindo, e que o irmão de Beth surgia sempre com machucados estranhos pelo corpo, eles passaram a prestar mais atenção no comportamento da menina; então conseguiram enxergar que, de fato, Beth era um risco para todos, e decidiram que a melhor solução (além do tratamento do distúrbio) era trancar o quarto dela à noite.
Beth Thomas, de acordo com o documentário atualmente está curada e trabalha como enfermeira. Dizem que Beth leva uma vida normal.
Lembro que a afirmação de cura só é possível se retomarmos o diagnóstico de “Transtorno de Apego Reativo”. uma vez que, se os sintomas realmente fossem de psicopatia, não poderíamos falar em cura.
Outro caso de conhecimento internacional foi o assassinato de James Bulger.
No dia 12 de fevereiro de 1993, Denise Bulger entrou com seu filho, James, de 3 anos, em um açougue dentro de um shopping na Inglaterra e, num piscar de olhos, o pequeno James havia simplesmente desaparecido. Com o desespero da mãe, logo os guardas do Shopping estavam à procura do menino, mas tudo acabou sendo em vão. Já era tarde demais.
Enquanto Denise estava no açougue, James foi atraído por outras crianças, Jon Venables e Robert Thompson (ambos de 10 anos) e, de acordo com as câmeras de segurança, pareciam mesmo estar à espreita – feito caçadores. James saiu com os meninos, e o horror começa aí.
Jon e Robert não só abusaram sexualmente de James, como tacaram tinta em seu olho (como método de tortura), e o espancaram mais de 40 vezes com uma barra de ferro, mostrando que o que aconteceu ali foi um ato suprassumo do hediondo. Só que não pára por aí: Após matarem James, os garotos decidiram jogar seu corpo nos trilhos de um trem.
O cadáver de James Bulger foi encontrado dois dias depois do desaparecimento, partido ao meio no trilho. O que chocou os médicos e a policia local foi o abuso, tortura e a forma “overkill” de matar, por isso demoraram tanto a concluir que os assassinos eram crianças.
Sei que é difícil digerir uma notícia dessas, então deixo vocês com o insight de Fábio Barbirato: “Não é fácil a sociedade aceitar a maldade infantil, mas ela existe. Essas crianças não têm empatia, isto é, não se importam com os sentimentos dos outros e não apresentam sofrimento psíquico pelo que fazem. Manipulam, mentem e podem até matar sem culpa.”
Entretanto, e aí chego a conclusão, são pessoas com inteligência normal e que sabem (ou podem aprender) a diferenciar o certo do errado assim como também podem aprender que as consequências de alguns de seus atos podem ser bastante desagradáveis (prisão, por exemplo). Sendo assim, embora não seja possível incutir sentimentos e empatia em uma pessoa com psicopatia, é possível educá-la para respeitar limites sociais e é por isso que o diagnóstico precoce é tão importante.
Documentário: “A Ira de um anjo”
Fontes: Revista Época, Literatortura, CONTIoutra